Paulo Rosenbaum

~ Escritor e Médico

Paulo Rosenbaum

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O tão aspirado nunca mais. (Estadão)

13 sábado abr 2019

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A Shoah, holocausto, Nunca mais

O tão aspirado “nunca mais”

Já que podemos evocar a memória de acordo com nosso desejo, preferimos dispensar as tragédias, a morte e a destruição. Segundo os biólogos evolucionistas trata-se de uma adaptação. Não suportaríamos ter que conviver com o amontoado de frustrações, negativas, impedimentos, injustiças, o mal feito, o espúrio, o inacabado, a imperfeição, o desprezo, as circunstâncias constrangedoras, os desvios, a insuficiência, as urdiduras da perfídia, o triunfo da malignidade. Mas, e se um pouco de dor, de luto e de sofrimento funcionasse como um antídoto para toda essa mania?  E se conseguissemos nos colocar, no sentido de transferencia absoluta, no lugar do outro? E se ficássemos entregues — que seja uma vez ao ano — à memória dos mal sucedidos, dos perdedores, dos sofredores, da silente agonia dos sem voz, dos invisíveis?

Apontar e erigir monumentos às vitimas do mal feito é uma forma de fixar o insuportável em nossa tendencia à negação.

Um regime político pode exterminar de muitas formas, a mais eficaz contudo — e a história prova a tese — é através do populismo e do culto à personalidade. Exemplo atual é o perfil daqueles que nos prometeram justiça, igualdade de oportunidades e bem estar e, em apenas 13 anos, nos entregaram o País falido. A deseleição ocorre quando há mais deméritos no oponente do que méritos no rival. Foi apenas um espasmo de legítima defesa em meio à inércia, à falta de articulação, à inexistencia de oposição, e hoje, perplexos, nem nos perguntamos mais o que pensar daqueles que persistiriam no erro. Hoje representados por quem torce e milita contra. Evidentemente, para além da habitual desonestidade intelectual, trata-se de histeria anti-republicana, sobretudo guiada pelo velho e cansativo ranço ideológico.

O dia H é o dia da memória das vítimas do holocausto, mas poderia ser expandido para outras vítimas, igualmente criminosas, como as pessoas incineradas na Boite Kiss, nos arrastados em Mariana, em Brumadinho, em Teresópolis, em Angra, nas demais encostas abandonadas do Brasil, nos viadutos que despencam, nas passarelas precárias, nos trilhões sepultados em obras inexistentes. E, também, de todos os extermínios pequenos, médios ou grandes. Aqueles que confiam no Estado todo protetor ainda não sabem que há, bem aqui entre nós uma loucura muito particular: ela impede a compreensão do valor da vida. Nesta insanidade obnubiladora movida à matéria e arrogância está o germe do terror.

Não é só do terrorista comum, estes inimigos da humanidade, que preferem que a causa preceda a sobrevivência e o bem estar. Mas também, e principalmente, o usurpador, aquele que amadurece no trono e não quer mais larga-lo, dos tiranos que se escondem sob slogans e verbetes de ocasião. Se há culpa? Sim acumulada. Sim retida nos decretos. De vários partidos e instituições. Nos alvarás. Nas leis. Exato, assim como as leis raciais de Nuremberg, as vezes o crime tem chancela oficial, é do Governo que passa a usurpar o Estado.

Na Alemanha nacional socialista também foi assim. As legiões que acreditam em correntes ideológicas acima do pensar, da direita à esquerda, ainda existem. Geralmente são aqueles que prometem resgatar nações e promovem genocídios. Contam com o descaso, acreditam na amnésia induzida. Apoiam-se no esquecimento e na prescrição. Sabem que a qualquer momento podem queimar livros, perseguir minorias, mas especialmente imaginam que o sufragio lhes da o direito de pulverizar a memória. Em suas agendas já está registrado: “as manchetes se calam em três semanas”.  Mal sabem que a memória contém um compartimento secreto. A “segunda mente” na definição de Charcot. E ela é surpreendente, capaz de desaguar seu manancial quando menos se espera.

Freud em seu polêmico livro “Moisés e o Monoteísmo” conta que o que mais o impressionou no povo judeu era uma espécie de persistência quase irracional diante das adversidades. Cita o famoso caso de um dos sábios talmúdicos. Enquanto o Templo de Jerusalém ardia em chamas incinerado pelo exército romano, e quase um milhão de vidas haviam sido ceifadas pela espada, foi ter com o temível governador geral da Judeia que sonhava exterminar os judeus e fundar Aelia Capitolina. Vários tentaram dissuadi-lo da empreitada que poderia lhe custar  a vida. Inúltil. Ele seguiu e foi para até o tirano pedir autorização para transferir seus estudos para um outro local. Ora, por que? Perguntava-se o intrigado médico. Seguir adiante. Alguns chamam de pragmatismo. Outros classificariam de estoicismo patológico. Porém, ao fim e ao cabo, poderia apenas simbolizar um apesar de tudo, apesar de todos, escolher-se vida.

Pois esse espírito afirma que a humanidade pode seguir até um lugar onde cada um poderá ter tempo para se estudar, para sempre.

Quiça assim, e só assim, o tão aspirado “nunca mais” superará o eterno retorno.

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O tão aspirado”nunca mais” (Blog Estadão)

28 segunda-feira jan 2019

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos

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Aelia Capitolina, Boite Kiss, Brumadinho, Freud, google, holocausto, Leis de Nuremberg, Mariana, Nacional socialismo alemão

 

Já que podemos evocar a memória de acordo com nosso desejo, preferimos dispensar as tragédias, a morte e a destruição. Segundo os biólogos evolucionistas trata-se de uma adaptação. Não suportaríamos ter que conviver com o amontoado de frustrações, negativas, impedimentos, injustiças, o mal feito, o espúrio, o inacabado, a imperfeição, o desprezo, as circunstâncias constrangedoras, os desvios, a insuficiência, as urdiduras da perfídia, o triunfo da malignidade. Mas, e se um pouco de dor, de luto e de sofrimento funcionasse como um antídoto para toda essa mania?  E se conseguissemos nos colocar, no sentido de transferencia absoluta, no lugar do outro? E se ficássemos entregues — que seja uma vez ao ano — à memória dos mal sucedidos, dos perdedores, dos sofredores, da silente agonia dos sem voz, dos invisíveis?

Apontar e erigir monumentos às vitimas do mal feito é uma forma de fixar o insuportável em nossa tendencia à negação.

Um regime político pode exterminar de muitas formas, a mais eficaz contudo — e a história prova a tese — é através do populismo e do culto à personalidade. Exemplo atual é o perfil daqueles que nos prometeram justiça, igualdade de oportunidades e bem estar e, em apenas 13 anos, nos entregaram o País falido. Uma deseleição ocorre quando há mais deméritos no regime viciado do que méritos no rival. Foi apenas um espasmo de legítima defesa em meio à inércia, à falta de articulação, à inexistencia de oposição, e hoje, perplexos, nem nos perguntamos mais o que pensar daqueles que persistiriam no erro. Hoje representados por quem torce e milita contra. Evidentemente, para além da habitual desonestidade intelectual, trata-se de histeria anti-republicana, sobretudo guiada pelo velho e cansativo ranço ideológico.

O dia H é o dia da memória das vítimas do holocausto, mas poderia ser expandido para outras vítimas, igualmente criminosas, como as pessoas incineradas na Boite Kiss, nos arrastados em Mariana, em Brumadinho, em Teresópolis, em Angra, nas demais encostas abandonadas do Brasil, nos viadutos que despencam, nas passarelas precárias, nos trilhões sepultados em obras inexistentes. E, também, de todos os extermínios pequenos, médios ou grandes. Aqueles que confiam no Estado todo protetor ainda não sabem que há, bem aqui entre nós uma loucura muito particular: ela impede a compreensão do valor da vida. Nesta insanidade obnubiladora movida à matéria e arrogância está o germe do terror.

Não é só do terrorista comum, estes inimigos da humanidade, que preferem que a causa preceda a sobrevivência e o bem estar. Mas também, e principalmente, o usurpador, aquele que amadurece no trono e não quer mais larga-lo, dos tiranos que se escondem sob slogans e verbetes de ocasião. Se há culpa? Sim acumulada. Sim retida nos decretos. De vários partidos e instituições. Nos alvarás. Nas leis. Exato, assim como as leis raciais de Nuremberg, as vezes o crime tem chancela oficial, é do Governo que passa a usurpar o Estado.

Na Alemanha nacional socialista também foi assim. As legiões que acreditam em correntes ideológicas acima do pensar, da direita à esquerda, ainda existem. Geralmente são aqueles que prometem resgatar nações e promovem genocídios. Contam com o descaso, acreditam na amnésia induzida. Essa  é a estratégia que recriou o vergonhoso e pandemico antissemitismo de nossos dias. Apoiam-se no esquecimento e na prescrição. Sabem que a qualquer momento podem queimar livros, perseguir minorias, mas especialmente imaginam que o sufragio lhes da o direito de pulverizar a memória.  Em suas agendas já está registrado: “as manchetes se calam em três semanas”.  Mal sabem que a memória contém um compartimento secreto. A “segunda mente” na definição de Charcot. E ela é surpreendente, capaz de desaguar seu manancial quando menos se espera.

Freud em seu polêmico livro “Moisés e o Monoteísmo” conta que o que mais o impressionou no povo judeu era uma espécie de persistência quase irracional diante das adversidades. Cita o famoso caso de um dos sábios talmúdicos. Enquanto o Templo de Jerusalém ardia em chamas incinerado pelo exército romano, e quase um milhão de vidas haviam sido ceifadas pela espada, foi ter com o temível governador geral da Judeia que sonhava exterminar os judeus e fundar Aelia Capitolina. Vários tentaram dissuadi-lo da empreitada que poderia lhe custar  a vida. Inútil. Ele seguiu e foi para até o tirano pedir autorização para transferir seus estudos para um outro local. Ora, por que? Perguntava-se o intrigado médico. Seguir adiante. Alguns chamam de pragmatismo. Outros classificariam de estoicismo patológico. Porém, ao fim e ao cabo, poderia apenas simbolizar um apesar de tudo, apesar de todos: escolhe-se vida.

Pois esse espírito afirma que a humanidade pode seguir até um lugar onde cada um poderá ter tempo para se estudar, para sempre.

Quiça assim, e só assim, o tão aspirado “nunca mais” superará o mito do eterno retorno.

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Despertar para a noite (Blog Estadao)

18 sexta-feira jan 2019

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Despertar para a noite, holocausto, Lyslei Nascimento

https://brasil.estadao.com.br/blogs/conto-de-noticia/despertar-para-a-noite/

No recém lançado livro “Despertar para a noite e outros ensaios” (Quixote-Do, Belo Horizonte, 2018, 178p.) Lyslei Nascimento faz uma abordagem multifacetada sobre a Shoah (extermínio de judeus pelo regime nacional socialista alemão, também conhecido pelo nome Holocausto) e, ao mesmo tempo, lança um facho de esclarecimento sobre o retorno (ou o fim de uma curta hibernação?) do antissemitismo.  Nas palavras do prefaciador, Wander Melo Miranda, “na forma de vestígios, rastros ou resíduos, a reminiscência se constitui no intervalo entre  o não contar para esquecer e o narrar para sobreviver”.

Ao analisar livros e filmes, Nascimento atravessa um vertiginoso painel de autores e cenas que não só impressionam pela amplitude e erudição, mas por trazer à vida uma literatura não solicitada. Isto é, a apresentação cultural, das vozes não audíveis, as escassas, aquelas ainda — e para sempre — indizíveis, que – numa era na qual, erroneamente, considerava-se sepultado o espectro de intolerância étnico-racial –  não encontram mais lugar para testemunhar. Como afirma a ensaísta no capítulo em que evoca dois poetas brasileiros que se ocuparam do tema da Shoah, Vinicius de Moraes e Jorge Amado:

“A imperiosa necessidade de se revisitar o episódio da Shoah, delinea-se, para o escritor e para o leitor, como um empreedimento impossível de ser apreendido e contornado, mas nunca soterrado”.

Isso significa que a escavação se processa em camadas e , assim como o arqueólogo, autor e leitor recolhem, por intermédio do paradigma indiciário daquele que foi um dos mais abomináveis eventos, para, enfim reconstituir aquilo que Carlo Ginzburg chamou de “micro-história”.

Ela prossegue: “Cercar o fato histórico em sua barbárie e contorná-lo pela palavra ou pela arte, costurando textos e registros infames, é sobretudo, lançar-se numa tarefa que, de antemão, já se anuncia como incompleta, residual, bárbara”.

Nascimento passeia com leveza e destreza no seu campo de análise que é o da  literatura comparada e consegue, por meio das muitas referências culturais e historiográficas, situar o leitor para além do campo da indignação pura e da perplexidade paralisante: nos faz pensar nos aspectos multifacetados da Shoah, investindo de um lado na “voz dos vencidos” e, de outro, situando a catástrofe no campo de uma fenomenologia ainda incompreensível.

Sem ceder ao obscurantismo e tal qual a metodologia das discussões talmúdicas, a autora se recusa ao reducionismo: não existe um “à guisa de uma conclusão”, nem mesmo uma insinuação de desfecho.  É que a extensão da terra devastada do que também já foi chamado de “o maior drama da história ocidental” e as repercussões transgeracionais do genocídio organizado pelos nazistas sempre impedirão qualquer síntese, e, provavelmente, obnubilarão a tentação da explicação única, cabal.

Um livro essencial, sólido, concebido e escrito em um período histórico no qual até a busca pela verdade tornou-se estéril e rarefeita.

Abaixo o Blog fez uma entrevista com a autora*:

Como te ocorreu a ideia deste conjunto de textos?

– A Shoah (Holocausto) é um tema caro aos Estudos Judaicos aos quais tenho me dedicado desde o início de minha carreira, nos idos de 1990, na UFMG. Na Literatura e nas Artes em geral, o tema é especialmente importante porque põe em xeque nossa capacidade de reagir em momentos em que o mal e a violência parecem obliterar o que há de humano em nós. Refletir sobre a arte em condições adversas como foi a Segunda Guerra Mundial sempre me estimulou à pesquisa, ao estudo e à reflexão. O livro Despertar para a noite e outros ensaios sobre a Shoah apresenta, assim, a seleção de algumas de minhas reflexões sobre esse tema.

Há muito material relacionado aos registros da Shoah, qual foi o critério para fazer esta seleção?

– A Shoah, apesar do vasto e importante material produzido pela história, pelo cinema, pela literatura e artes em geral, ainda sofre reveses de discursos revisionistas e negacionistas. No mundo e, infelizmente, também no Brasil. Nesse sentido, o critério para a seleção desses ensaios foi, basicamente, estudar alguns escritores e artistas que, à contrapelo dessa tentativa de esquecimento e de soterramento contemporâneos, produzem suas obras como alertas à valorização e ao respeito à vida.

Muito interessante e oportuno o resgate feito por Vinicius e Jorge Amado, qual foi sua primeira impressão? Por outro lado, há uma certa escassez de registros fílmicos sobre o Holocausto produzidos no Brasil, concorda? Ao que atribui essa escassez?  

– Há muitos artistas brasileiros não judeus que contribuíram não só com ações, mas com um olhar lúcido sobre a Shoah a partir da arte. Tanto Amado quanto Vinícius, nas imagens da Judia de Varsóvia e dos mortos no campo de concentração, empreendem uma reação a certo silêncio de artistas e intelectuais, naquele período, por intermédio da força expressiva da palavra poética. Nenhum dos dois textos é passivo, omisso ou produz um elogio do soterramento e do esquecimento. As metáforas utilizadas por esses poetas brasileiros são terríveis, porém, elas revelam a necessidade de, mais do que um fantasma ou de um esqueleto, termos, sempre, diante de nós, que nossa capacidade de indignar-se diante da violência deve ser um aprendizado e uma tarefa contínuos do humano. Há textos fundamentais de Carlos Drummond de Andrade e Guimarães Rosa (ambos com atuação política importante no período), Hilda Hilst, Maria José de Queiroz, só para citar alguns escritores, que esperam que os leitores e pesquisadores os visitem em nossos tempos sombrios. Minha intenção, assim, foi trazer aos leitores dos grandes romances de Jorge Amado e aos admiradores das canções de Vinicius de Moraes, uma face esplêndida ainda a se descobrir desses autores. Sobre os filmes, eu diria que o impacto da Shoah sobre os nossos realizadores ainda está por acontecer. Há inúmeras e inspiradoras histórias a serem contadas, principalmente, a dos sobreviventes e dos refugiados que vieram para o Brasil.

O que descobriu de interessante na relação entre ciganos e judeus (filme Trem da vida, de Radu Mihaileanu). A questão do humor na Shoah merece cuidados extras ou como você escreve “não é fácil fazer humor muito menos com a catástrofe”.

– Ciganos, judeus, homossexuais, adversários políticos e outras tantas vítimas do Nazismo foram massacrados por um regime totalitário que intentava abolir diferenças como uma política violenta de Estado. No caso dos ciganos, a maioria ágrafos, o drama histórico é especialmente grave. O recurso à memória dá-se, muitas vezes, pela escrita. Assim, a valorização das histórias de vida, da oralidade e do posterior registro desses relatos é de suma importância. No filme de Mihaileanu, é revelador que os ciganos sejam aproximados aos judeus, tradicionalmente considerados “o povo do Livro”. Na Shoah, no entanto, ficou evidente a igualdade da condição humana, independente de quaisquer fatores culturais ou religiosos. No filme, a música e a dança ilumina essa igualdade e não é a diferença que se faz presente. Acredito que essa é lição de Mihaileanu para o nosso tempo: buscar as aproximações, não as divergências.

Qual o aspecto mais relevante e que destacaria na sua análise do romance de Richard Zimler Os anagramas de Varsóvia?

– De toda a produção ficcional contemporânea que tem a Shoah como tema, esse romance de Zimler é um dos mais instigantes. A trama policial marcada pela contingência da segregação, a experiência do gueto, põe o leitor diante da crueldade estampada na tortura, no assassinato sumário e na violação de todos os direitos do indivíduo, a série de crimes contra crianças dentro do gueto, reafirma a quase onipotência do mal e sua materialidade, no entanto, apesar de tudo, nesse espaço, pode surgir uma luz. No romance de Zimler, afirma-se que todos os templos são metáforas do corpo humano, logo, é o corpo que dá origem a um conceito de sagrado. O crime e o assassinato são, no romance, uma forma de desarranjar o mundo, retirar dele tudo o que haveria de sagrado. A ficção de Zimler é, nesse sentido, humanística, no desafio de se aproximar do limite dessa expressão.

 Por que, como escreveu David Grossman, os escritores que escrevem e escreverão sobre o Holocausto “estão de antemão fadados ao fracasso”?

– Talvez porque estejamos diante de uma violência tão inimaginável que a linguagem não consiga abarcá-la por completo. A partir desse ponto de vista, a situação-limite da Shoah é sombria. No entanto, não estamos num vazio, mas entre fragmentos, ruínas e cinzas, “coisas” em estado de dicionário, como queria Carlos Drummond de Andrade, que parecem trazer de longe, ou de não tão longe na história, “entre o ser e as coisas”, vozes que não podem ser apagadas. Talvez Grossman esteja dizendo ao leitor que o escritor torna-se, quando se trata da memória da Shoah, um razoável copista em meio a um mundo que não faz mais sentido se tomado em uma imaginária grandeza. Por isso, a aproximação entre poesia, narrativa e enciclopédia, em suas formas mais contemporâneas, parece por em xeque não só uma teoria da poesia pós-Auschwitz e a sentença adorniana que sobre ela recai, mas uma possibilidade de leveza, a da imagem do romancista que, como queria Italo Calvino, sobreleva o peso do mundo. Nesse sentido, mesmo sabendo que não conseguirá tudo, o escritor, o artista, e nós, os leitores, devemos ser incansáveis. O fracasso, portanto, em Grossman, é o nosso mote para a tarefa infinita de se estar atento ao mal e aos seus efeitos sobre a humanidade.

No caso de Moacyr Scliar e de suas repercussões sobre o microcosmos de um bairro de Porto Alegre: qual é o papel do regional na percepção da Catástrofe?

– A máxima atribuída a Leon Tolstoi de que quando se está falando da aldeia está-se falando do mundo pode ser aproximada a toda obra de Scliar. Quando o escritor constrói o bairro judaico do Bom Fim, no romance A Guerra no Bom Fim, muito das aldeias pintadas por Marc Chagall também estão ali evocadas. Então, o microcosmos, a “aldeia”, que é o bairro do Bom Fim, no Brasil, é um modelo literário em miniatura do que ocorre no mundo. Primorosamente, a Segunda Grande Guerra é o que emoldura o pequeno país do Bom Fim. Entremeados à notícias do front, os jogos de guerra encenados pelas crianças reproduzem, em escala menor, os desastres ocorridos na Europa. Scliar, nesse sentido, é um mestre da microficção que espelha e desloca, pela fantasia, a macro-história.

Seu texto que dá nome ao livro atravessa a obra de Primo Levi e Elie Wiesel e o pensamento de Walter Benjamin, especialmente, quando este grafou “nunca houve um Monumento da cultura que não tenha sido também um monumento da barbárie”. Então, qual seria o leitmotiv de um autor para narrar um fato histórico – sob a ficção ou fora dela – se ela sempre será “incompleta, residual e bárbara”?

– A necessidade de acordar para a “noite”, como sugere Wiesel, em A noite, é uma lição para os nossos tempos. Não é possível atravessar os dias como se estivéssemos num sono profundo. Há que se despertar, há que se sonhar, mas, de olhos abertos. Por força de valorizarmos, em extremo, a cultura, por vezes, esquecemos de nossa humanidade. Estar atento à barbárie do excesso de racionalidade também é um desafio. Não podemos nos esquecer que o Nazismo foi possível numa nação que produziu os mais sensacionais escritores, músicos e artistas de todos os tempos, a Alemanha. Equilibrar-se, portanto, entre o sono (o sonho) e a vigília é fundamental. Vivemos num tempo de monumentos estéreis, nesse sentido, os “pequenos relatos” que escapam à grandiloquência devem ser trazidos à luz, sem mistificações.

Após teu valioso levantamento historiográfico, depois de Auschwitz ainda existe espaço para a presença cotidiana da transcendência e da mística ou o mundo judaico ficou impregnado pelo ceticismo?

– Sempre haverá espaço para a poesia, para a ficção, para a arte. Disso depende a nossa sobrevivência. O ceticismo é, também, uma forma de ficcionalizar a própria incredulidade, não é? A transcendência vazia ou a mística que oblitera a razão, a meu ver, devem ser sempre questionadas. Sobre a presença judaica no mundo, gostaria de citar o Rabino Henry Sobel. Para ele, a missão do judeu não é tornar o mundo mais judaico, mas tornar o mundo mais humano.

https://brasil.estadao.com.br/blogs/conto-de-noticia/despertar-para-a-noite/

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*Lyslei Nascimento é doutora em Letras: Literatura Comparada pela Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, onde é, atualmente, professora de Teoria da Literatura e Literatura Comparada, editora da Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG e coordenadora do Núcleo de Estudos Judaicos da UFMG.

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A Mentalidade Preventivista (blog Estadão)

06 segunda-feira fev 2017

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, Imprensa, Na Mídia, Pesquisa médica

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blog conto de noticia, boite kiss e a justiça, conto de notícia, filosofia, holocausto, Literatura, Mark Twain, medicina e acaso, mentalidade preventivista, tarda justiça

Era para ser um texto em homenagem ao aniversário desta cidade. Não deu. Pois lá se vão quatro anos do incêndio da boate Kiss e a tarda justiça ainda continua fazendo vítimas em série. Em homenagem às famílias, aos que não podem mais se defender da inépcia do Estado e para que — em algum futuro tremendamente remoto — tragédias anunciadas, disfarçadas de fatalidade, não voltem a ocorrer republico no blog, excepcionalmente, o texto “A Dor merece nosso Constrangimento”. Decerto que o imponderável, o imprognosticável,  a  incerteza e o absurdo são tanto perturbadores, como onipresentes na condição humana. Porém, isso não tem nada a ver com pane seca, falta de extintores, erros de cálculos em pontes e viadutos, falha na inteligência, justiça leniente, leis anacrônicas, cárceres inimagináveis, descaso com áreas de risco, e, finalmente, déficit de vigilância para cuidar que as instituições não sejam escravas das corporações.

Que a mentalidade preventivista se infiltre em quem governa. E, se não, — que as consequências desta falta crônica desabem sobre os omissos, mostrando que quem quer gozar do Poder, quem precisa do Poder, quem está obcecado por ele, tem a obrigação, moral ou criminal, pouco importa, de planejar e, sobretudo, a responsabilidade de antecipar acontecimentos.

 

A dor merece nosso constrangimento

 

Devo estar cultivando a insensibilidade, já que não me comoveu o choro nem a circunspeção dos políticos nos funerais. Além disso, temos que suportar o horroroso espetáculo dos apresentadores explorando a biografia das vítimas ou especialistas explicando como os alvéolos são destroçados pela inalação de fumaça. Nesse campo de batalha, só cabem urros, uivos, ritos de contrição. A dor merece nosso constrangimento.

São poucas ou muitas as palavras que podem descrever acuradamente o absurdo. Absurdo é pouco, estultilóquio, limitado, dislate, distante. Precisava de um vocábulo sem precedentes. Pois “galimatias” revela um glossário analógico apropriado para o desastre gaúcho: um acervo de heresias e incoerências disparatadas, coxia de desconchavos, parvoíce chapada, um amontoado de cacaborradas, aranzel, inépcia, chocarrice. Para contornar registros menos recomendáveis ao grande público, cada um deles pode indicar o repertório que se passa pelas nossas cabeças quando tragédias completamente evitáveis parecem inevitáveis.

A falta de decência não é só fazer as coisas sem pensar que outros podem se ferir ou sair lesados. Paira no ar um senso de desproporção, tocado pelo culto ao único mito invicto de nossa era: grana.

Há uma máxima que deveria vir instantaneamente à cabeça de qualquer um: “Tratarei todo filho como se fosse meu”. Passa longe do sentimento predominante. Que dizer dos donos do lugar e dos homens da segurança? Inicialmente, sem perceber a eminente tragédia, impediram pessoas de sair do inferno. Quais as regras a serem seguidas e quais merecem desobediência civil já?

Não sei quantos mais poderiam ter sido salvos da asfixia, da carbonização. Uma vida poupada teria feito toda diferença. Mas havia a barreira do execrável pedágio, a pirotecnia fora de lugar, o entupimento das salas, as formigas espremidas na armadilha.

Não vem ao caso apontar para a banda ou para os proprietários como alvos óbvios de punição e responsabilização criminal. Já que pais e mães tiveram seus futuros cassados, e as vítimas ardem na sombra, seria preferível acompanhar o que o poder público tem a dizer.

Em geral, fiscais são bons burocratas e, raramente, têm consciência de seu papel vital na prevenção dos desastres. Prevenção, lugar-comum, baixa visibilidade, antipopular, mas a única palavra-chave para não termos que ouvir a esfarrapada desculpa “fatalidade”. Isso não é um se, está acontecendo agora. Nas enchentes, na calamidade absoluta que é a segurança pública do país, na incapacidade organizacional para gerir o dia a dia das cidades. A verdade é que, se ainda vivemos ilesos, é por sorte e apesar do Estado. E não se trata de apontar para um único partido. Todos comungam deste mínimo múltiplo comum, a incapacidade de enxergar que toda matéria política caberia numa sentença: governo é para o povo. Submergidos no populismo ignorante, cosmético e estelionatário, quanto dinheiro ainda será arrecadado nas miríades de impostos pagos para fiscalizar e manter as bocas de lobo, as escolas, o passeio publico, a segurança, a defesa civil? E como isso será gasto? Não sabemos e ninguém sabe.

Mark Twain escreveu: “O governo é meramente um servo, meramente um servo temporário: não pode ser sua prerrogativa determinar o que está certo e o que está errado, e decidir quem é um patriota e quem não é. Sua função é obedecer a ordens, não originá-las”.

Só quando os administradores forem imputáveis e sentirem nos bolsos e na privação de liberdade que, se falharem em prevenir o prevenivel sofrerão consequências pesadas, talvez tenham mudanças efetivas no dislate que é o planejamento público no Brasil. Só quando a opinião pública exigir que as apurações não se limitem a dois ou três bodes expiatórios, mas, a quem, de fato, permitiu a vigência do absurdo. Talvez ai, calçados na educação solidária, o respeito aos cidadãos conquistará status de lei.

Na hora dos massacres, a solidariedade autêntica vem das pessoas desvinculadas do poder. Emerge pura da nossa emoção, premida pelo nada, esvaziada de sentido, e lapidada pela voz rouca do abandono. Um sobrevivente do incêndio descreveu “Vi o monte de corpos empilhados uns em cima dos outros, como os judeus no Holocausto”. Ainda que o cenário justifique a analogia, a outra semelhança é a gratuidade com que essas vidas foram incineradas.

Todos nós, civilizados desde o berço, podemos enxergar tragédias como inerentes à condição humana. Rachaduras na placa continental, asteroides, furacões e terremotos são eventos inevitáveis, às vezes inexoráveis. Crematórios, não. A dor merece nosso constrangimento, assim ao menos sofreremos todos juntos. Não entendo bem por que, mas parece que precisamos nos derreter para nos unirem.

Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de “A Verdade Lançada ao Solo” (Ed. Record) e “Céu Subterrâneo” (Ed. Perspectiva)

paulorosenbaum.wordpress

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Dia em memória às vítimas do Holocausto (Yom Hashoah) (Blog Estadão)

16 quinta-feira abr 2015

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holocausto

Dia em memória às vítimas do Holocausto (Yom Hashoah) 

Yom_HashoahIII_

Mais uma vez você vem falar  do Shoah?

E mais uma vez somos obrigados a ouvir?

Quer esquecer essa história? Seria bem melhor para todos.

Admita, você não compreendeu: se esqueço, desapareço. Se você esquecer, desapareceremos todos.

Não como pessoa, ninguém evapora como espírito, não se somem com as marés, não desintegramos como barrancos em inundações

Costumamos evaporar quando não fazemos mais sentido, mas existem ebulições prematuras. Se quiséssemos, viveríamos pelos segundos. E, se nossa contagem viesse numa outra unidade? Uma que desprezasse o tempo e redescobrisse outros ritmos.

Impressão minha? Seu sorriso mudou?

Não, não é capricho. Nada de apologias, nacionalismos, nem cumplicidade neurótica. Bastaria ter sabido que existi, a única exigência de toda memória.

Por que insisto em fixar-me em tuas lembranças?

Nada pessoal, não vivo por vingança. Permite uma intimidade? Num dos campos senti: toda memória está vinculada à história. Entende? Nós somos assustadores.

Não, isso também não é para evocar sua consciência, despertar a Misericórdia. Você sabe tão bem quanto eu que a pena é uma nostalgia sem objeto, uma culpa sem noção do mal.

Exato. Como você, também não me comovo facilmente.  De acordo, detestáveis aqueles que se constringem sem levantar da cadeira, ridículos os que se movem sob a indignação remota.

O meu ponto?

Exijo que a dor, essa dor, suba junto com o vapor que nos destruiu, Faço questão que mortalha alguma seja reverenciada. Que os números tatuados se transformem numa álgebra benigna.

Agora pode sentir? Captou meu estado?

Tento de outra forma: isso não tem a ver com religião, nem raças, etnias, partidos ou, classes sociais. Céus, crianças estão cercadas: judias, árabes, negras e caucasianas.

A natureza dos genocídios?

Permanecerá tão misteriosa como a gravidade. Com autorias indeterminadas: da Europa à Grécia, da Armênia à Síria, da Ruanda ao Iraque, da Bósnia ao Sudão, do passado ao futuro.

Viu? O assustador nunca esteve fora ou distante. É preciso repetir: nós somos assustadores. Todo holocausto é um adiamento, uma fusão sem fim, um negócio movido por manivelas humanas.

Agora você chora? Só que ainda não terminei.

Precisei  vagar entre livros, em meio aos escombros e também nas paisagens intactas da natureza remanescente. Precisei viajar desafiando bósons, sob asteroides que carreavam água. Precisei ouvir lamentos de cada povo e elemento só para poder te ver. Precisei superar a ignorância, suportar a decadência. Precisei desviar dos fornos e gazes. Precisei contornar escravos e tiranos.  E mesmo chegando a estes confins de mundo, enfrentando provável arrependimento, reuni forças para te dizer que o homem pode ser diferente. Que se abandonarmos a vida reativa, a ação tem chance de prevalecer. Uma tradição como a vossa merece sobreviver se disser de novo, um novo.

A outra escolha? Resignar-se à repetição. Nesse caso, nem com todo esforço mudaremos a insignificância ou escaparemos da perplexidade.

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Fábrica de acirramentos (Blog Estadão)

23 quinta-feira out 2014

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos

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cabeça de eleitor, Claude Bernard, discurso do ódio, eleições 2014, fábrica de acirramentos, holocausto, medicina experimental, rancor

Fábrica de acirramentos

Paulo Rosenbaum

23 outubro 2014 | 00:15

Claude Bernard, pai da medicina experimental, considerava que a estatística é uma verdade para o geral, mas uma mentira para o particular. É que ele não estava bem familiarizado com regimes totalitários, nem conhecia bem a era das manipulações. Pesquisas sempre foram indícios, não resultados. Ingenuamente tematizado, será mesmo o discurso do ódio um fruto do curso de jardinagem intensiva administrado nos últimos tempos? A luta política, se nunca foi civilizada, raras vezes alcançou a degradação que testemunhamos. Ódio nunca foi uma palavra muito especializada, e o rancor é outra generalização abstrata. Trópicos sempre significaram tradição em violência. As quase 60 mil pessoas assassinadas no Brasil no ano passado indicavam que já estávamos previamente rachados. Pelas discrepâncias não saneadas, inércia, e a curiosíssima fusão do público com o privado. Foi o discurso quem sucedeu os fatos, e não o contrário. Uma anomia programada foi sendo cuidadosamente instalada, sem que a maioria, inerme, percebesse. Como é mesmo que se proíbe a compra de votos? Quais as regras para adquiri-los, e qual é o poder que regulamenta o uso do Estado a serviço do Partido? Teríamos que partir daí: o sequestro do erário. Voto é decisão subjetiva. Em meio às injustiças, metáfora do parcialíssimo que nos assola, votamos. Na fria cabine privativa, onde deixamos para trás um som nada certificador, o cidadão têm sua última arma ainda não confiscada. Ódio algum jamais teve geração espontânea. Com fábricas espalhadas em zonas francas os neo oligarcas emergentes precisavam governar sobre o conflito e o usam para reinar. O acirramento é uma commoditie inesgotável, quando some do mercado, sempre pode ser refabricada. Aí estão, em triunfo, o marketing da difamação, a propaganda enganosa, e a indústria da boataria anônima. A demonização do adversário e a infame evocação do holocausto, feita pelo ex presidente, é só a gota d’água ignominiosa, o transbordamento da manipulação. A dualidade sempre esteve comprometida com o maniqueísmo. Mesmo assim, é preciso ter a coragem para recusar a tese da equivalência moral. Em tempos de desmandos, tentação autoritária e acefalia de gestão, a neutralidade é a atividade mais vergonhosa. As vezes, um lado não é só bem menos nocivo que outro: é ele que pode liberta-nos da maleficência máxima, a perpetuação no poder.

Tags: discurso do ódio, eleições 2014, fábrica de acirramentos, maniqueísmo, perpetuação no poder, poder, poder perpétuo, rancor

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Resenha do livro “A Verdade Lançada ao Solo” por Regina Igel (Blog Estadão)

30 quinta-feira jan 2014

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos

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Tags

darwinismo, dependencia química, devekut, drogas, holocausto, neurociências, o que é o justo, onde encontrar Deus?, psicoterapia, psiquiatras

Conto de noticia
29.janeiro.2014

Resenha do livro “A Verdade Lançada ao Solo” por Regina Igel

Resenha*

A verdade lançada ao solo, de  Paulo Rosenbaum. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010.

Por Regina Igel / University of Maryland, College Park

Há certos sabores que só podem ser apreciados lentamente, para que a língua tenha mais vantagens em degustá-los e  ganhe tempo para informar o cérebro sobre eles. Respeitadas as coordenadas referenciais, é o caso do livro  A verdade lançada ao solo, de Paulo Rosenbaum. É obra que exige lenta leitura, com pausas regulares, preenchidas por contemplações, reflexões e meditações. Para se aprender, pelos caminhos do rabino Zult Talb, o que é a alma, se ela transmigra ou não, onde se pode encontrar Deus, como chegar até o Criador (ainda como ser vivo), enfim, para ser saboreado em seus meandros místicos, filosóficos, científicos, pessoais e universais, este livro tem de ser lido lentamente. (Eu levei um mês mais uma semana para terminar a leitura – pois parei em várias passagens,  para pensar no que acabava de ler…)

É livro denso, pode-se dizer, enciclopédico pois, ao redor de um verbete – devekut –giram três histórias, um epílogo e uma parte iconográfica. Cada uma das três primeiras especula, analisa, questiona, por personagens ativos e diálogos dinâmicos,  o que vem a ser ‘devekut’. Na primeira narrativa, que transcorre na cidadezinha de Tisla, em meados do século XIX (mais precisamente em 1856, que corresponde ao ano judaico 5.616),  a história esclarecedora de ‘devekut’ tem início numa casa modesta, adaptada para ser também casa de orações para os judeus naquele remoto e parcamente povoado lugarejo. O rabino Zult, líder da comunidade, é visto com respeito e com desconfiança: na sinagoga, ele dirigia judeus que respeitavam a religião e eram pouco afeitos a interpretações esotéricas, às quais ele se dedicava de tempos em tempos. Não que ele fosse um rebelde ou motivador de rebeldias religiosas, mas era um homem que não aceitava a palavra escrita como prova irrefutável de uma verdade, nem tampouco a interpretação tradicional do Talmud (o texto que reúne códigos de comportamento ético, composto por uma sequência de rabinos a partir do segundo século da Era Comum aos judeus e cristãos).  Na página em que se identifica “ … Zult era um iconoclasta” (p. 24), se encontra o cerne desta narrativa, que é a imersão na ‘devekut’. O autor coloca uma nota explicativa ao pé do texto (como faz com quase todas as palavras de origem hebraica, em transliteração ao português), esclarecendo que ‘devekut’ significa “aproximação, aderência, apego. Termo místico que define proximidade com Deus. Estado modificado de consciência, no qual os homens podem experimentar no corpo a própria energia de Deus.” No mister de provar tal experiência, o rabino pode ser observado como se fosse um submarino cortando águas profundas, interceptado por diversas correntes (as perguntas, os comentários e observações de seus ouvintes), mas com uma trajetória firme, articulada por sua vontade de experimentar um fenômeno místico, arrebatador, que se manifestaria nele num delírio de integração ao Divino e do qual ele lançaria luzes a seus seguidores. Entender os caminhos de Zult é um desafio – não só para a sua plateia, mas para os leitores também. O iconoclasta – na verdade, um homem interessado no diálogo, numa discussão esclarecedora, numa dialética quase platônica (talvez) – tentava arrancar dos ouvintes a capacidade latente deles em argumentar, discutir, trocar ideias. Seus discursos desafiavam a crosta conservadora da sua comunidade e de conselhos rabínicos, quando defendiam a ideia de que a Diáspora ou o Exílio era melhor para os judeus do que se aglomerarem em Israel, como queriam os sonhadores do seu tempo – que se tornou realidade pela força sionista. Como era formado em Filosofia, por uma universidade não-judaica, Zult trazia para suas prédicas a ideia de que as ciências eram benéficas para todos e que os judeus religiosos não deveriam se fincar apenas na fé ou na espera de milagres, pois a medicina (sua vocação frustrada), por exemplo, era um pilar de suma importância na prevenção e na cura de doenças. Um de seus muitos filhos, o Nay, era um atento interlocutor e provocador, que muitas vezes substituía um público de ouvidos um tanto moucos em suas prédicas, pois o menino de 14 anos lhe fazia perguntas, apresentando desafios e sugestões. E também houve ocasiões em que Zult, o iconoclasta, não tinha público nem filho para contestar suas verdades; mesmo assim, ele falava, ou se calava, preparando-se para receber a ‘devekut’ – e a recebia, gerando em si mesmo uma energia de alta frequência, de pulsação insólita, que o levava a pensar que se impregnava da energia divina. Não que quisesse se igualar a Deus, mas queria usufruir da divindade o que a patologia de ser um ente humano não lhe permitia.

Se a ‘devekut’ foi definida no início da primeira narrativa e gradualmente explicada ao longo das primeiras cem páginas, o título da obra só vai receber esclarecimento para além da página 100, como se fosse necessário preparar os leitores para a essência de uma escrita laica num contexto carregado de religiosidade. “A verdade lançada ao solo” (fragmento que se  encontra no Livro de Daniel 8:12) se tornou uma espécie de mantra ou bússola para o pensamento, utilizada por Zult, na sua busca por uma interpretação do versículo em todas suas possibilidades semânticas ou racionais e místicas ou movidas pelo supernatural. Em resumo, a verdade está diluída no pó ou é o pó que se alimenta da verdade? O livro se apropria dessas (entre outras) versões para explicar Deus, o mal, o bem, a doença, a cura, o êxtase, o milagre, a indiferença, a alma, o espírito, indo do geral ao particular, ao mencionar a necessidade de se estudar textos bíblicos em duplas (como o fazem os estudantes dos seminários judaicos), pois uma leitura individual não é aceitável – faz-se necessário discussão, apresentação de ideias conflitantes, diálogo, é preciso liberar o epílogo, a conclusão, de todo o emaranhado que nos desafia.

O diálogo vem a ser o cerne da segunda narrativa, “A balada de Yan e Sibelius”. Os personagens são dois homens perdidos nos Alpes, em meio a uma nevasca. Um deles é médico, o outro é seu ex-paciente; um deles é o Dr. Talb, descendente do Zult Talb, personagem proeminente na narrativa anterior. Numa área escavada numa montanha gelada, que mal abriga os dois, à espera de não se sabe o quê, ou que o tempo melhore ou que eles se entendam, discorrem sobre a ótica médica e a ótica dos pacientes que não só podem diferir uma da outra, mas chocar-se também.  Fé e razão passam a ser elementos de fricção e ponderações para os dois perdidos na brancura da neve e na negritude da noite. Ambos mantêm o fogo do conhecimento aceso e reciprocamente sopram as chamas, como querendo que um se apagasse para o outro continuar a existir.

Como o fez na primeira história, o narrador interpõe ao texto ‘recados’ ou intercalações de cunho explanatório sobre a religião, hábitos dos judeus ao longo dos séculos e outros temas. Imitariam os ‘comentários’ ou ‘ridushim’, notas ou observações marginais ao texto do Talmud. Nesta narrativa, as interferências explicam certas reações orgânicas a alguns remédios, os efeitos da sua ‘produção industrial’,  a manipulação do corporativismo, o darwinismo, o congelamento dos órgãos internos, a fome contínua, o perigo da morte pela inércia física no panorama congelado  – em enunciados breves, não-invasivos, que complementam o desenrolar dos eventos. Com a precariedade da situação, o judeu impulsiona o tema da ‘devekut’, que passa a ser o jogo dialético entre os dois alpinistas. Ela é então praticada: os sentidos se renovam, os membros congelados se movem, a cabeça se esvazia do medo e da incerteza, a “Presença” penetra pelos olhos dos seus praticantes. “… não tem como comparar com droga nenhuma. Nem alucinógenos, nem estupefacientes, nem nada da farmacopeia”(p. 479). É a fé ou é a alucinação dos corpos deteriorados?

A terceira e última das narrativas, “Sonho não interpretado”, concerne tratamentos de dependentes químicos, na época contemporânea. Um jogo de xadrez se coloca entre médico e paciente e mais: doutrinas espíritas, um papiro que contava vidas dos antepassados do médico (entre eles, o rabino Zult Talb), transes, incursões a cemitérios de judeus poloneses depois do Holocausto, perspectivas para o mundo sob o comando dos norte-americanos,  terrorismo, Al-Qaeda, a destruição das vidas e das torres gêmeas em Nova York, exorcismo, os justos em cada geração judaica… um repertório que instala personagens e questões dentro de uma moldura atual, atravessando Israel, Grécia, Egito, o Brasil e a inclusão do velho Zult Talb, que reaparece em espírito. Atmosfera sufocante, perturbadora e liberadora, instiga perguntas que exigem respostas,  como se indicassem que, no mundo caótico em que vivemos, só o questionamento pode nos encaminhar para o conhecimento.

O Epílogo é uma tentativa de amarrar os eventos principais, transcorridos pelas três narrativas mas, na verdade, são os leitores que devem fazer o acerto das circunstâncias lidas, visualizadas e imaginadas, com o roteiro fornecido pelo autor. Este também insere fotos dos ‘pergaminhos’ deixados por Zult (em papel brilhante, de um colorido esmaecido como num daguerreótipo, em escrita artística), para que as futuras gerações soubessem que a ‘devekut’ é uma atividade que pode e deve ser experimentada para uma aproximação real com Deus, ainda que paradoxalmente seja abstrata, como parte do absurdo da existência humana.

Para quem eu recomendaria este livro? Para aqueles que não sabem absolutamente nada sobre judaísmo, para aqueles que, como eu, sabem um pouquinho e para aqueles que sabem bastante. Esta obra, imersa em conhecimento, divulgado por diálogos e meditações dos personagens, é inédita no repertório de obras brasileiras de ficção, pois mostra intenções implícita e expressas de provocar nossa curiosidade intelectual, espiritual e emocional. Quem a ler, ganhará em conhecimento sobre a religião judaica, seus mitos, rituais, tradições, transgressões e acertos; sobre alma, Deus,  julgamentos humanos e divinos mas, principalmente, ganhará em conhecimento de si mesmo. O estilo da escrita tem volteios e sinuosidades, trazendo às narrativas possibilidades de caminhadas mentais, por uma leitura lenta e gradual. Dêem o tempo necessário para seu cérebro e suas emoções procurarem ‘a verdade lançada ao solo’.

Regina Igel é professora titular de Literaturas e Culturas em Língua Portuguesa no Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Maryland. É autora de inúmeros artigos, publicados em diversas revistas especializadas nos Estados Unidos, Europa e Brasil. A Profa. Dra. Regina Igel é também encarregada da seção Brazilian Novels do Handbook of Latin American Studies, uma publicação da Biblioteca do Congresso, em Washington, D.C., e colabora para esta publicação com cerca de 70 resenhas de romances publicados num período de dois anos no Brasil. Foi colaboradora do Jornal “O Estado de São Paulo” (Suplemento Literário e Cultura). É autora dos livros: “Osman Lins, uma bibliografia literária” (1978) e “Imigrantes Judeus, Escritores Brasileiros – O Componente Judaico na Literatura Brasileira (1997).

*Um trecho desta resenha será publicada no Handbook of Latin American Studies, uma publicação da Biblioteca do Congresso, Washington, D. C. que está programado para sair em 2015 (Vol. 60)

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English Version

“Throw Truth to the ground” by Paulo Rosenbaum. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010.

By Regina Igel / University of Maryland, College Park

Translated from the Portuguese by Alex Forman and Regina Igel

There are certain flavors that must be savored slowly to give the tongue a chance to absorb them and time enough to inform the brain about them. Keeping the necessary distance from this parallel reference, this is the case of A Verdade Lançada ao Soloby Paulo Rosenbaum. It is a book that calls for a slow reading, with regular pauses for contemplation, reflection, and meditation in order to enjoy, along with the teachings of rabbi Zult Talb, what the soul is, whether it transmigrates or not, where God can be found, how we can meet the Creator (while still living). To fully appreciate its philosophic, scientific, personal, and universal mystical meandering, this book has to be read unhurriedly. (It took me a month and a week to finish reading, because I paused at various passages to think about what I’d just assimilated.)

One could say that the book is dense, even encyclopedic, since it comprises three stories, an epilogue, and an iconographic section revolving around a single term – devekut. Each of the short stories explores what it is to be “devekut” through speculation, analysis; the characters’ own questioning, and their dynamic dialogs. The first narrative takes the reader to the town of Tisla in the mid-nineteenth century (more precisely in 1856, which corresponds to the year 5,616 in the Jewish calendar). The enlightening story of “devekut” begins in a humble home, adapted also to be a house of prayer for the Jews of that remote and scarcely populated village. Zult, the rabbi and leader of the community, is treated with respect and mistrust. He oversees a religious congregation little familiarized with the esoteric interpretations he dedicates himself to from time to time. The rabbi is not a rebel nor is he calling for a religious rebellion, but he does not accept the written word or the traditional interpretation of the Talmud (ethical codes of behavior compiled from the writings of a series of rabbis from the second century of the Common Era for Jews and Christians) as irrefutable proof.  The heart of the narrative is found on page 24, where Zult is shown to be “an iconoclast” and is immersed in the “devekut.” The author adds a footnote (as he does with almost all Hebrew words transliterated in the text)  explaining that “devekut” means “approximation, adherence, attachment. Mystical term defining closeness with God. Modified state of consciousness in which men can experience the energy of God in their own bodies.” In order to prove that such an experience exists, the rabbi might be seen as a submarine slicing through deep waters, intercepted by various currents (the questions, comments, and observations of his listeners). But he remains firm in his itinerary, articulated by his desire to manifest a mystical, ravishing phenomena in himself, in the delirium of joining with the Divine, from which he will enlighten his followers. Understanding the ways of Zult is a challenge not only for his audience, but for his readers too. The iconoclast – actually, a man interested in dialog, instructive discussion, and nearly platonic dialectic (perhaps) – tries to draw out his listeners’ latent ability to argue, discuss, and exchange ideas. His lectures challenged the conservative crust of his community and the rabbinical counsel who defended the idea that, for Jews, Diaspora or Exile was better than to congregate in Israel, as the visionaries of the time foresaw, and which later became reality through Zionist efforts. Zult had a degree in philosophy from a non-Jewish university, and he brought to his teachings the idea that science was beneficial to all and that religious Jews should not rely on faith alone or wait for miracles, since medicine (his frustrated vocation), for example, was of unparalleled importance in the prevention and cure of diseases. One of his many sons, Nay, was an attentive interlocutor and provocateur, often making up for the listeners’ silence, on whose deaf ears Zult’s speeches would fall; the fourteen-year-old asked questions, challenged, and made suggestions. And there were also occasions when Zult, the iconoclast, had neither public nor child to challenge his truths; but even so, he spoke or stood silently, preparing himself to receive the “devekut.” Then he would receive it, generating within himself an energy that was of such a high frequency, and of such an uncommon rhythm, that it led him to believe that he was impregnated by divine energy. Not that he wanted to be equal to God, but he wanted to enjoy something of divinity not usually allowed by the condition of being a human being.

As the “devekut” was defined at the beginning of the first story, and gradually explained over the first hundred pages, the title of the book only becomes clear beyond page 100, as if it were necessary to prepare the reader for the essence of a lay text in a context laden with religiosity. A fragment from the Book of Daniel (8:12), “You threw Truth to the ground,” became Zult’s mantra or fixed thinking in his search for an interpretation of biblical verse in all possible semantic, rational, mystical, and supernatural explanation. At last, is truth diluted into dust, or is it the dust that nurtures truth? The book grasps these (among other) interpretations to explain God, good and evil, illness and cure, ecstasy, miracle, indifference, the soul, the spirit, moving from the universal to the particular, when mentioning the necessity of studying the Bible in pairs (as Talmudic scholars do). A single reader is not acceptable since it is necessary to discuss, to present conflicting ideas, to establish a dialog with each other, in order to release the epilogue, the conclusion, from the mass of problems challenging us.

Dialog is at the heart of the second narrative, “A Balada de Yan e Sibelius.” The characters are two men lost in the Alps, in the middle of a blizzard. One is a doctor, the other a former patient of his. Dr. Talb is a descendent of Zult Talb, the preeminent protagonist of the previous story. In a dugout in the frozen mountain that barely shelters the two of them, waiting on who knows what – that the weather clears or that they reach some understanding between them – they discuss a doctor’s and a patient’s points of view which not only differ semantically from each other, but also violently clash. Faith and reason become elements of friction and deliberation for the two lost in the whiteness of the snowstorm and the blackness of night. Both keep the flame of knowledge lit and take turns blowing on its ashes, as if they wanted one to be extinguished so that the other could go on existing.

The narrator interjects “messages” or parenthetical statements of explanation about Jewish religion and customs throughout the centuries, and other subjects. These notes might be an imitation of the “commentaries,” or “Rashi’s notes,” observations written in the margins of the Talmud. In this narrative, the remarks explain some of the organic reactions to some medicines, the effects of “commercial production,” the manipulation of corporatism, Darwinism, the freezing of internal organs, famine, the risk of death by physical inertia in the frozen panorama – in brief, non-invasive comments that complement the evolution of events in the narrative. In this precarious situation, the Jew drives the “devekut” theme, which becomes a dialectical game between the two alpinists. Then, it is practiced: feelings arise again, frozen body parts move, the mind becomes empty of fear and doubt, the “Presence” shines through the eyes of the practitioners. “. . . impossible to compare to any drug. Not hallucinogens nor narcotics, nothing from the Pharmacopeia” (p. 479). Is it faith, or is it some hallucinatory effect emanating from the deteriorating bodies?

The third and last of the narratives, “Sonho Não Interpretado,” concerns the treatment of the chemically dependent in our times. A chess match is placed between the doctor and the patient and more: spiritualist doctrines, a papyrus with the doctor’s predecessors’ lives written on it (among them, the rabbi Zult Talb), trances, incursions to the cemeteries of Polish-Jews after the Holocaust, opinions about the world under American command, terrorism, Al-Qaeda, lost lives, the destruction of the twin towers in New York, exorcism, the Just of each Jewish generation… In a repertoire that crosses Israel, Greece, Egypt, and Brazil, bringing these characters and questions into a contemporary frame, including old Zult Talb, who makes an appearance as a ghost, this suffocating, disturbing, and liberating environment raises questions that demand answers, as if to indicate that in this chaotic world in which we live, only questioning can lead us to knowledge.

The Epilogue is an attempt to tie up the main events in the stories, but in truth it is up to the readers to link these seen and imagined circumstances in the author’s script. He also provides photographs of the “scrolls” left by Zult (inserted on shiny paper, with washed-out coloring like of a Daguerreotype, with artistic writing) so that future generations may be able to know that “devekut” is an activity that can and should be tried to find real closeness to God, even though it is paradoxically abstract, like some of the absurdity of human existence.

To whom would I recommend this book? To those who know absolutely nothing about Judaism, to those who, like myself, know a little bit, and to those who know a lot. Immersed in knowledge disseminated through the dialogues and meditations of its characters, this book may be unique in Brazilian literature, since it demonstrates implicit and explicit intentions to provoke our intellectual, spiritual, and emotional curiosity. Who reads it will benefit from the wisdom surrounding Jewish religion, myths, rituals, traditions, transgressions, and assertions about the soul, God, human and divine judgment. But above all, the reader will learn something about him or herself. The writing style meanders and is sinuous, bringing to the narrative the option of mental perambulations for a slow and gradual reading. Give your brain and feelings the time they need when “You throw Truth to the ground…”

http://blogs.estadao.com.br/conto-de-noticia/resenha-do-livro-a-verdade-lancada-ao-solo-por-regina-igel/

Paulo Rosenbaum
rosenb@netpoint.com.br
rosenbau@usp.br

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