Paulo Rosenbaum

~ Escritor e Médico

Paulo Rosenbaum

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Tabu, ou, o politicamente correto (Blog Estadão)

09 quinta-feira jul 2015

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antiamericanismo, austeridade, boicote contra Israel, consensos, conto de notícia, crise grega, hegemonia e monopólio do poder, politicamente correto definição, tabu, tabu ou o politicamente correto

irrelevante

O politicamente correto pode conservar o nome, mas talvez não seja político, nem correto. Pouquíssimo dialógico, produz mais dissonâncias que aproximações. De obras de Monteiro Lobato banidas ou censuradas nas escolas por supostos trechos racistas até a cartilha subsidiada pelo MEC com erros crassos propositais para não criar “constrangimento” em quem têm dificuldades no uso da língua, o politicamente correto se transformou numa bandeira com um simbolismo inquietante.

Chegamos a um mais do que improvável paradoxo: o senso comum não tem muito mais para oferecer, enquanto uma enorme quantidade de percepções e pensamentos precisam ser coibidos em nome de uma espécie de consenso que é apenas uma suposição apriorística, um tabu.

Foi a recente frase do Nobel de medicina sobre as peculiaridades de trabalhar com mulheres em laboratórios que gerou outro quinhão histérico de litigantes. Mas, o curioso, é que não se trata de extrema suscetibilidade, mas, antes, de um ilícito subjetivo cometido contra um glossário fixo e predeterminado. A intolerância de gênero, se é que aquele Dr. realmente externou algo assim, não é só dele. As redes fervilharam com ataques, às vezes contra uma opinião insossa e irrelevante. Quando há algum mérito no que foi pronunciado o que valeria a pena discutir é a opinião, não se ela está ou não na lista de frases que podemos aceitar no concílio imaginário que demarca a fronteira entre correto e incorreto. Neste sentido, é a hipocrisia pactuada e um maniqueísmo primitivo, disfarçado de debate democrático, quem comanda o cenário. O mesmo se deu até pouquíssimo tempo quando se discutia se algum governante poderia sofrer impeachment, deveria renunciar ou se novas eleições mereceriam ser convocadas. Por sinal, o que importa se o ex-apresentador conhece ou desconhece o cantor morto?

A onda é ampla e infame, sobretudo preconceituosa. Exemplo recente está naqueles que recentemente aderiram à campanha de ex roqueiro do Pink Floyd, que, pretendendo isolar Israel, fez uso seletivo e arbitrário do conceito de discriminação étnica. É só mais uma amostra de pactos baseados em insuficiências e inconsistências. A velocidade das transmissões e retransmissões na web, confronta a reflexão. Acusações de superfície, vazamentos e insinuações caluniosas operam o mesmo estrago que fatos ou evidencias significativas. E assim, a sociedade vai caminhando com construção de estereótipos nocivos, contando com ampla e impressionante aceitação, impulsionada através das replicações acríticas nas redes sociais e na mídia. Ao largo da aceitação das diferenças, a onda de tabu endossa o racismo com destaque para o especialista: o partisã de boatos. Subordinar ideias à difamação ou reduzir alguém a nada em algumas horas, por uma frase, uma entrevista ou um pulso no Twitter, mostram a velocidade e denotam a pobreza cultural contemporânea.

São exatamente os mesmos que julgam terem construído consensos aqueles que mais se mostram violentos quando alguém trata de explicitar quão diferentes somos. Eis o supremo paradoxo: na linguagem politicamente correta as diferenças estão proibidas, e é a sua explicitação que dispara sinais eletrônicos que acionam o bullying tolerado. A luta de classes migrou, por caminhos inusitados, para um estranhamento mútuo das peculiaridades, de pessoas, grupos, nichos e raças. E a desinibição propagada através de perfis falsos, anonimato ou a certeza de impunidade, produzem legiões de franco atiradores digitais. Recrutar terroristas, convocar gente para qualquer tipo de ação nas ruas ou simplesmente entrar atacar e sair, tornou-se uma vulgarização pop. Às vezes, bem remunerada. Até a Grécia, em sua luta anti austeridade entrou na frequência. Uma coalizão de articulistas pelo mundo tentou mostrar como a luta grega é justa (politicamente correto) contra terríveis agentes capitalistas selvagens (politicamente incorretos), quando qualquer aluno mediano do segundo semestre da graduação de um curso de economia poderia nos contar algo mais interessante. Nas políticas de Estado não existem mocinhos, tampouco algozes. Neste sentido, o que o politicamente correto faz é sequestrar a discussão por um punhado de convicções anacrônicas e sustentadas pela manipulação eleitoral.

O ambicioso conceito de cidadania, amplamente evocado mas efetivamente inexistente no mundo prático, exige cimento mais consistente do que campanhas motivacionais, academias ideologicamente comprometidas ou governos com aspirações totalitárias. Exige, bem ao contrario do politicamente correto, um exame escrupuloso dos conteúdos da linguagem e suas mensagens: superar a imobilidade dos tabus.

http://brasil.estadao.com.br/blogs/conto-de-noticia/tabu-ou-o-politicamente-correto/

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Apaguem a história (blog Estadão)

29 domingo mar 2015

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antiamericanismo, apaguem a história, bullying de Estado, genocidio, kgb, Plano Marshall, Stalin

Apaguem a história

Paulo Rosenbaum

20 março 2015 | 19:22

polifonia

Podem comparar a vontade, não tem comparação. Este é um Pais único numa crise única, momento idem. Não é bem que não haja diálogo, enfim solicitado. Nunca é tarde, mas é preciso remover a mordaça dos interlocutores e passar a uma estratégia pouco praticada: dar voz e ouvidos.

Ficamos ouvindo as medidas que saneariam o mal feito. A boa vontade termina quando a sensação chega: fica evidente que continua sendo culpa dos outros. A saber, nossa. A humildade é — deveria ser — uma medida contra narcísica. Incompatível com quem sempre começa as frases na primeira pessoa “eu”. Quando começo a sentir pena do cenário patético a indignação é revigorada com as imagens de abandono dos que não podem se defender. Não só dos mais pobres, mas de todas as classes que foram iludidas pelo perfil, a pálida sombra. Concluo que foi a aversão do regime ao fundamento da democracia — a polifonia — que nos trouxe até a intolerancia, à mesquinhez, ao abismo de conclusões instantâneas.

Essa administração federal foi incapaz de aprender na carne a abrir mão do projeto hegemônico. Alguém acaba de me falar que numa grande Universidade paulista, alunos defenderam abertamente o direito dos carrascos do estado islâmico. Isso diz tudo. Outorgado o direito, a concessão inclui eliminar quem se opuser.  E por acaso estes estudantes não tem um tutor? Alguém que os guie à reflexão? Para que servem mestres? Neste caso, o titular da pasta é autor de comentários à obra de Bakunin, admira Stalin e carrega no chaveiro a foto do caudilho latino americano. E o País que o professor venera está em pé de guerra. Como no famoso filme de Peter Sellers conscientes do inexorável fracasso, apostam numa recompensa análoga ao plano Marshall. Não deveria nos espantar. Monologo e hegemonia são tandens. Movimentos correlatos como o minucioso trabalho da KGB e outros tantos aparatos repressivos que apagavam das fotos históricas aqueles que caiam em desgraça. A técnica atual evoluiu para seleção bibliográfica rigorosamente revisada pelo partido.

E por que tanta perplexidade com a história e os Museus sendo eleitos alvos preferenciais de militantes genocidas? Os extremos detestam a história e seus efeitos. Eles se incomodam muito quando deparam com a insignificância de suas convicções. Não admitem que haja um acervo de ideias superadas.  Não suportando observar outras fases da civilização, agem sob a curadoria do martelo. Não concebem a existência de processos. E o mais importante: não admitem perguntas. Pelo menos não as inconvenientes.  E um museu é um lugar de incertezas. De busca por respostas. Reúne uma síntese que nunca chega a um fim. Para a civilização a dúvida faz sentido, para quem odeia o ocidente e suas instituições é uma ameaça. Cabeças fanáticas não tem espaço para o inacabado.

Para que pensar muito?  No fundo, são parentes próximos da literatura de auto ajuda: tudo mastigado ou nada feito. A intolerância é um sintoma de esgotamento da cultura. A truculência máxima, da inépcia política. E o caos, sinal de que já houve, em algum ponto, algo diferente. A cultura que passou a exigir um Estado onipresente impôs, ao mesmo tempo, a retirada progressiva das responsabilidades individuais. Mais um aceno para o retrocesso: uma nova era patriarcal sem patriarcas. A ressurreição dos populistas pelo mundo não deixa de ser um dos dividendos deste notável contexto. As eleições tornaram-se álibis perfeitos para abusos. O voto, o escudo que os referenda. A denúncia excessiva é amnésica. O caudal de bullying de Estado é verificado como epidemia de injustiças contra o cidadão. O menu de desmandos variado apresenta da perseguição fiscal à terceirização de pelotões.  A intimidação é o legado mais evidente de uma Pátria que desistiu da educação por fundos partidários e um punhado de slogans de campanha.

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A Intermediação II – Blog Estadão

27 sábado set 2014

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antiamericanismo, antisemitismo, centralismo partidário, declaração na ONU, diplomacia obtusa

 

 A Intermediação II

Paulo Rosenbaum

27 setembro 2014 | 20:12

Já havíamos publicado que o assessor especial para assuntos internacionais, se dispôs a intermediar os conflitos e embarcaria para a região com uma comitiva especial do Partido escolhida a dedo. Se sobrasse tempo, outras áreas seriam incluídas no roteiro. Na pauta: respeito às escolhas de orientação sexual, situação das feministas, proteção às minorias, liberdade de culto, segurança pública e como implementar a democracia plena durante a recessão econômica. Integrantes do Isis aguardavam ansiosos a presença do enviado e teriam declarado “não ver a hora da oportunidade”.

Devido ao fracasso do plano original, e, logo depois do inesquecível discurso na ONU, a presidente, consultando as bases e o assessor especial, resolveu elaborar um plano de emergência. A nota divulgada para a imprensa dizia  “assim como resolvemos a crise econômica e fiscal do Brasil, estamos levando a mesmíssima carta de intenções ao EI, esperando que compreendam que só a transparência, lisura e verdade unem nações.” Ainda não está confirmado, mas a governante passou as últimas horas tentando agendar encontro pessoal com a cúpula, “queremos falar com quem manda”. Foi encaminhada à facção dominante “AF, Adagas Afiadas” Já no aeroporto, antes do embarque, falou aos jornalistas: “Tá lá provadinho: olhando olho no olho deste pessoal, é claro que falo dos carrascos, eles não terão escolha, cederão ao nosso conhecido bom senso e clareza de raciocínio. Aposto meu pescoço como vai dar certo.” A caminho do embarque, a comitiva foi surpreendida com inesperado apoio multipartidário, com carreatas, bandeiras e fanfarras enaltecendo a iniciativa.

Nos cartazes: “Vai firme, presidente”.

Comentários? Usar o link abaixo:

http://blogs.estadao.com.br/conto-de-noticia/a-intermediacao-ii/

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Diálogos Interditados

25 quinta-feira abr 2013

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antiamericanismo, democracia, diálogos interditados, formadores de opinião, hegemonia e monopólio do poder, impunidade, interdição da razão, Irã, jihadismo internacional, mensalão, redução da maioridade penal, significado de justiça, violencia

Interditado

Diálogos Interditados

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Jornal do BrasilQuinta-feira, 25 de Abril de 2013
Hoje às 06h09 – Atualizada hoje às 09h57

Diálogos interditados

Jornal do BrasilPaulo Rosenbaum *

Como previsto por este colunista, vários “formadores de opinião” com sua tradicional pós-graduação em cegueira ideológica tentaram estabelecer “se” e “mas” para condenar com timidez os ataques terroristas em Boston. A vergonhosa relativização arrasta o desfile de falácias. A evocação dos desastres em guerras num passe de mágica se transformam em argumentos justificacionistas. É típico da desonestidade intelectual embolar tudo para simular equiparações onde elas não existem. Como se não bastasse, tentam estabelecer equivalência moral entre a piração religiosa jihadista (cujo prolifico DNA encontra-se no Irã, no Líbano, na Síria, na maioria dos países africanos e agora no varejo, com franquias Al Qaeda) com os conflitos tradicionais.

Como pacifista, não é difícil classificar de repugnantes tanto umas como outras. Mas granadas lançadas a esmo e bombas em eventos públicos têm um peso distinto de conflitos entre nações. Guerras santas e líderes fanáticos não costumam ceder à razão. Pelo contrário, ela é o único alvo.

“Guerras santas e líderes fanáticos não costumam ceder à razão ”No fanatismo não há interferência diplomática. Não há dissuasão. Não cabe diálogo. O terrorismo é uma batalha perdida para a escuridão das pulsões destrutivas, geralmente acobertadas pela ilusão do conserto do mundo. Os terroristas são antes de tudo uns convictos. Têm razão a priori. Por isso recusam o debate.

A guerra pode ser terrível, abjeta, escandalosa, mas ainda pode ser detida, contornada e minimizada. Sempre existem fronteiras a serem negociadas, reparações, compensações e jeitos para obter paz. A tolerância, a compaixão e a simpatia que os fascistas de esquerda e direita mostram pelo terror decorre de uma identidade patológica primitiva, onde o ideário prevalente é o batido “os fins justificam os meios”. Pois estamos bem no meio de uma pandemia fanática, onde quem está interditada é a razão.

O mesmo tipo de absurdo se vê na interdição do debate sobre a redução da maioridade penal no Brasil. Está academicamente comprovado que isso traria baixo impacto na redução da criminalidade — continuo achando pouco crível que absolutamente nada esteja sendo feito para conter a violência no pais e enxergo a omissa mão do Estado nesta inércia — entretanto, a forma como os menores estão sendo manobrados e manipulados por maiores para praticar crimes exige uma contrapartida jurídica. Onde estão os planos de reeducação e reinserção social? Quais perspectivas o Estado oferece para uma massa sem perspectivas? Sem experimentar novas políticas e leis, não podemos saber se a redução da maioridade penal teria ou não impacto na cadeia viciosa de crime-impunidade-inimputabilidade.

Mas, mais uma vez, o debate encontra-se obstaculizado sob a argumentação imaginária de que qualquer mudança criminalizaria apenas o jovem socialmente carente. Não é bem assim. Mas quem quer saber? Quem ousa falar contra uma cadeia de dogmas instrumentalizados por estudos muitas vezes descontextualizados e anacrônicos? Desconfio que o politicamente correto tenha sido uma invenção dos ditadores para blindar os dogmas. A redução pura e simples da idade penal conquanto não seja uma solução pode ser o início de uma discussão democrática de quais limites e sob quais contextos queremos estabelecer as leis: quem merece ser responsabilizado e em quais circunstâncias.

“Ninguém espera que a sociedade seja virtuosa. Longe disso, e Brasília parece concentrar os espertos do mundo”Por fim, merece análise mais minuciosa a frase do presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara, que só sai dali se os réus condenados do mensalão desocuparem seus postos parlamentares (pesadelo à parte sermos obrigados a voltar ao assunto). Por incrível que pareça (só neste quesito já que vindo dele a verdade é item perecível), talvez ele tenha alguma razão. Pois, se o preceito de que a justiça deveria ser igual para todos tivesse qualquer efeito, teríamos que na prática contemplar princípios minimamente isonômicos. Ninguém espera que a sociedade seja virtuosa. Longe disso, e Brasília parece concentrar os espertos do mundo. Ninguém está livre do engano, e a ética é um perigo quando usada como flecha. Mas deveria haver um mínimo. Por exemplo, garantias de que gente condenada (ou sob investigação) se afastasse de qualquer representação parlamentar. Mas as brechas jurídicas — risível frouxidão — usadas por escritórios potentes postergam a justiça real. O resultado todos sabem. Penas proscritas e, por fim, exaustão. E dá-lhe legitimação do vale-tudo.

O malefício que a interdição dos debates, da razão e da decência faz à democracia só é comparável à mordaça psíquica que nos impede de gritar. Urremos uníssonos, antes que sejamos condenados aos suspiros.

* médico e escritor, autor de ‘A verdade lança ao solo’ (Ed. Record)

Link do Jb

http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2013/04/25/dialogos-interditados/

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A inexistência dos outros

19 sexta-feira abr 2013

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aculturamento, antiamericanismo, antisemitismo, Irã, Israel, significado de justiça, tribalismo

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Jornal do Brasil
Quinta-feira, 18 de Abril de 2013

Coisas da Política
11/04 às 08h51 – Atualizada em 11/04 às 08h53

A inexistência dos outros

Jornal do Brasil/Paulo Rosenbaum

Dia 7 de abril é o dia escolhido para homenagear as vítimas do holocausto. Como homenagear quem perdeu a vida para o nada? O argumento de revisionistas e ditadores beócios é que o massacre sistemático contra inocentes que começou com judeus e depois se estendeu às outras minorias, é um fiapo da história se comparado com outras tragédias resultantes da interação entre os homens.

É correto afirmar que outros genocídios já foram perpetrados em larga escala: milhões de índios, armênios, curdos, bósnios e ruandeses não sobreviveram para contar suas histórias. Mas aqueles que comparam guerras regionais e sazonais que acontecem em toda parte com massacres intensivos, movidos pelo ódio aos que destoam, não sabem do que falam. O extermínio seriado de crianças foi a grande originalidade nazista. Neste sentido, ele é obra única. Nada, absolutamente nada pode ser comparado ao infanticídio que produziu 1,5 milhão de crianças anuladas para sempre.

Foi o começo do começo e o fim do fim.

A datação do mundo deveria ser zerada a partir do yom hashoah (o dia das vítimas do holocausto) não porque uma tribo poderia ter sido extinta, nem pelos milhões de inocentes descolados de suas vidas, mas pela cassação da inocência, pelo abortamento completo e absoluto que, em nossa era, construiu a impossibilidade de sonhar. A paralisia que ensurdeceu o mundo, a inércia que nos fez e continua nos fazendo cúmplices. Pela humanidade que não conseguiu contornar o inevitável. É no abismo incessante que podemos enxergar o tamanho da terra que cobriu os corpos.

Mas não podemos mais só apontar para os carrascos uniformizados. Nem mesmo pleitear heroísmo póstumo para vítimas que jamais serão identificadas, sequer saberemos como existiram ou se existiram.

A cumplicidade silenciosa durará a eternidade. A civilização adernou e não há mais luz entre os assassinados pelo mal absoluto. A ausência dos mortos de fome, sede, frio, exaustão, selvageria ou abandono é quem acusa. Ainda que não haja equivalência moral entre um infanticídio sistemático e as explosões de violência dos conflitos e guerras, a tinta de ambos tem a mesma cor. É o carbono da indecência e da auto-predação. Chegamos enfim a era em que deverá ser reconhecida retrospectivamente como aquela que enfim assumiu a ideologia: inexistência do outro. O eu aglutinou todas as formas de existir e a conjugação nas várias pessoas não faz mais sentido. Tu e vós, além de ultrapassados, não merecem estar aqui. O nós virou desacreditada utopia ou só piada de salão.

Não foram só nazistas com seus milhões de fiéis e obedientes seguidores que pariram a sombra mas um mundo sem coragem que apresentou sua estampa frágil e manipulável. O nacional socialismo alemão demonstrou, definitivamente, o valor e o imperativo ético da desobediência civil como única saída, quando a civilização encontra-se sob risco.

Se sonhar é parte vital das nossas funções orgânicas e espirituais, quem tem o direito de colocá-la sob ameaça? De costurar nossas bocas com estopa? A inexistência do outro se tornou pressuposto, mais que isso exigência, mais que isso, o único dogma que restou. Mas ele só se tornou cabível e chancelado a partir dos eventos que tiveram lugar durante os anos que em que o holocausto foi executado.

Ninguém está se referindo a um processo que teve lugar em algum ponto distante e remoto na história. Faz só 75 anos e é prova que a violência ainda que adormecida, está ativa e à espreita. O lobo do homem ainda está vivo e se oculta nas brechas. Talvez seja injustiça com os lobos (raríssimos os relatos de ataques espontâneos de lobos contra o homem), ainda que viva na natureza de todos nós a fração bélica, que não hesita em predar.

Mas o que vai além de tudo, e, talvez mesmo o que mais impressiona é a capacidade humana de ir adiante sob o trágico. Devemos homenagear as vitimas enquanto reverenciamos o tino humano para prosseguir, andando sobre ruínas, sob ossos e vagando em campos devastados.

Homenagear vítimas de violência, em qualquer tempo e local, seria substituir a culpa coletiva por capacidade de renascimento.

* Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de “A Verdade Lançada” (Ed. Record)

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Holocausto Subliminar

29 quinta-feira nov 2012

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antiamericanismo, antijudaismo, antisemitismo, Democracia grega, hegemonia e monopólio do poder, Irã, Israel, judaísmo, justiça, liberdade, tribalismo

Holocausto Subliminar 

 

“O oráculo decreta o destino, o filósofo torce contra si mesmo, esperando que suas previsões fracassem”   

 

Em meio aos assuntos que dominaram a mídia nas últimas semanas está a aberta e escandalosa demonização de Israel: um eufemismo covarde para incluir judeus sem mencioná-los. Trata-se de um claro sinal de que há algo sistêmico em curso. A ONU fez a partilha da ex-colônia britânica e outorgou a dois povos, dois Estados. Como se trata de uma das regiões que mais mudou de mãos na história, não se deve olvidar o pesado passado colonial, que trai a confiança mútua entre as partes, ambas responsáveis pelo desperdício de preciosas possibilidades de acordo. A questão Palestina, portanto, é apenas a tecla da vez. Para alimentar preconceitos e ideologias, como Sartre escreveu, sempre se pode inventar algum álibi.  

 

Temos que encarar o recente cessar fogo como um epílogo de uma guerra bem maior, cujo enredo está entrelaçado com a crise econômica mundial, a explosão de violência e o holocausto subliminar.

Aos poucos, abandona-se, de lado a lado, a ênfase na solução por dois Estados. Na auto-armadilha bem montada, os bem pensantes criaram impasses para si mesmos: como exorcizar Israel e defender o Hamas ou o Hezbollah sem conceder espaço aos argumentos fundamentalistas? Há muito tempo, na palestina do sul, a luta do califado da retidão já não é só contra o Estado Hebreu. Há, portanto, uma espécie de estatuto moral duplo. Se, de um lado, há consenso que após o 11 de setembro a islamofobia seja inaceitável, de outro, a aversão aos judeus tem sido “naturalizada”, normatizada e regulamentada. A banalização é o primeiro passo ao conformismo. Basta espiar as redes sociais, as manchetes e o escandaloso aumento de ataques “espontâneos” contra judeus na Europa. Da construção lingüística, às imagens super exploradas, Israel vem figurando nos textos e nas charges como agressor, belicoso, hostil, quase uma entidade macabra. São conclamações ao ódio, retocadas como análise política imparcial. Não importa como se mova, para onde e com quem se mova estará, a priori, errado.

 

Uma campanha, sim, dessas publicitárias, que conta até com o apoio de nomes de peso, como intelectuais americanos, europeus e latino americanos. Eles emprestaram seus nomes a uma causa e compraram e foram comprados pela ideia de que um Estado Moderno, democrático, com população de 7.9 milhão de pessoas, multiétnico, incluindo quase 1.6 milhões de árabes-israelenses, pode ter seu direito à existência cassado. Não adianta espernear, evocar paranoia conspiratória ou bufar! É isso mesmo: estamos diante de um tentame de deslegitimização do Estado de Israel. Os doutores chegaram à conclusão que ele não merece mais respirar.

 

Como eutanásia e pena de morte são coisas sérias, caberia entender como alcançaram, depois de meia dúzia de cervejas, este brilhante veredicto. Só o inverno da razão explica como mentes iluminadas concebem execrar um Estado e como isso passou a ser não só aceitável, como politicamente correto.  

 

Por aqui, o governador do Rio Grande do Sul subsidiará um fórum para discutir a questão palestina. É mais que sintomático que não tenham convidado ninguém ligado à Israel. Todos fazem parte do time das convicções absolutas, das ideias acabadas, cabeças formatadinhas. E por que dariam voz à outra versão dos fatos? Mais um palanque para insuflar a demonização do outro lado. Aberrações que o centralismo partidário e o aparelhamento do Estado brasileiro tornaram possível. A proposta viola explicitamente os termos da constituição federal, que não só reconhece o direito à existência de Israel e da criação de um estado Palestino, como proíbe a incitação ao ódio religioso, étnico e racial. E, para satisfação dos que prezam guerra, tentam minar o convívio impar e pacífico que árabes e judeus têm por aqui. A esquerda senil, incluindo a ideológica diplomacia brasileira, vai sendo movida pelo dominante e pré-escolar sentimento de antiamericanismo.

 

Mais um bom exemplo de como monólogos podem ser travestidos de diálogos numa suposta democracia.

 

Sob a cegueira antissionista o mundo parece solidário com organizações que, enquanto escolhem deliberadamente civis como alvos, vestem gravatas e negociam com a diplomacia internacional. São neo-terroristas. Quem os apóia, incluindo os senhores catedráticos, deveria rezar à noite para que seus pedidos jamais sejam atendidos. O risco é acordar com pesadelos lembrando Foucault defendendo o aitolá Khoumeini. Diante desse irrefletido apoio o que será do Oriente Médio com o eventual triunfo do fundamentalismo? O quem nos espera com a aplicação literal das leis religiosas ao modo talibã? Como ficarão as democracias, os tribunais, os direitos das mulheres, das minorias, dos muçulmanos moderados, das comunidades cristãs? Como assistiremos a conversão à espada dos “infiéis” das outras etnias?

  

Na verdade, o que hoje incomoda nos judeus contemporâneos é não mais poder confundi-los com a aura de povo vitimizado pela história, os nômades apátridas, eternamente perseguidos e oprimidos. Agora há um país cujo vigor é, em si, a própria mensagem do “nunca mais”. O que hoje estimula o atavismo antissemita enraizado pelo mundo, é que diferentemente de todos os períodos nos últimos dois milênios, Israel existe e resiste militarmente a sua imediata eliminação, como propõem explicitamente em suas “cartas constitucionais” o regime iraniano e todas suas filiais, Hamas, Hezbollah, Jihad Islâmica e Al Quaeda. 

 

Sim, tudo mudou e pouco teve a ver com a primavera árabe. Se antes o acordo era varrer os párias que atrapalhavam o desenvolvimento europeu, agora o defeito intolerável nos judeus, simbolizados pelo Estado de Israel, é sua força, e, a missão, destruí-los primeiro simbolicamente, depois sua nação e, se possível, com o aval da indiferença do mundo, levar a cabo a solução final.

 

Não vai acontecer. O mais provável é que depois do inverno da razão, o tempo mude para dias mais amenos, com trovoadas e pancadas ocasionais, num novíssimo e refrescante verão do mundo.

 

Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de “A Verdade Lançada ao Solo”.

 

paulorosenbaum.wordpress.com

 

 

 

Para o link do JB

http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2012/11/29/holocausto-subliminar/
http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2012/11/29/holocausto-subliminar/

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A responsabilidade nasce dos sonhos.

22 quinta-feira nov 2012

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos

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açao penal 470, anomia, antiamericanismo, antijudaismo, antisemitismo, arianos, autocracia, centralismo partidário, centros de pesquisas e pesquisadores independentes, ceticismo, consensos, corrupção genética, fascismo, governo de coalizão, hegemonia e monopólio do poder, Kadhafi, Leis de Nuremberg, livro marrom, livro verde, livro vermelho, manipulação da razão, Mao, mensalão, nazismo e marketing político, nazistas, prosa poética, significado de justiça, terceiro Reich, tribunais de exceção, utopia, virada humanista, Willian Butler Yeats

A responsabilidade nasce dos sonhos.

 

 Por que um dos julgamentos mais importantes da história contemporânea aconteceu em Nuremberg? E por que ao processo que envolveu os genocidas nazis foi selado sob o nome de “tribunal de exceção”? A cidade era uma escolha simbólica, e os fatos, sem paralelo na história contemporânea. Em 1935, naquele histórico sítio alemão, foram editadas as leis raciais e de “proteção do sangue” que inauguraram um dos períodos de sombra da humanidade. Sancionadas pelo chanceler eleito e pelos ministros do interior e da justiça a promulgação daquela legislação tornou-se prova de que a manipulação da razão pode tomar destinos equivocadíssimos, mesmo na democracia. Se esta razão vier escoltada por alguma ideologia então, é mesmo para tremer e esperar pelo pior, sempre! Dito e feito!

 

Se índios, negros e outras etnias não tem alma porque os respeitaríamos rezava o consenso dos juízes da Inquisição. Por que povos inferiores devem ter os mesmos direitos que brancos europeus civilizados, reafirmavam os higienistas. Medições de crânios, a chamada “craniometria” dos cientistas que trabalharam pela e para a ideologia nazista apresentaram suas “evidencias empíricas”: o encéfalo dos não arianos “era menos evoluído e tendia à degeneração”. Os arianos, “intrinsecamente superiores”, representavam a “raça pura, de ascendência sem vícios ou corrupção genética”. Era o apogeu político da eugenia, uma doutrina que embora encontrasse raízes pré-existentes nas ciências naturais, tomou corpo e se fortaleceu graças à causa organizada pelo terceiro Reich. Foi assim que profissionais liberais especialmente médicos, pequenos comerciantes, o grande capital e professores universitários da Alemanha começaram a achar que poderiam acertar as contas com a humilhação decorrente do tratado de Versalhes e se safar da crise econômica com hiperinflação do final nos anos 20.

 

Finalmente, os juízes se prestaram ao papel e começaram a definir novas regras para a sociedade alemã: judeus, ciganos, homossexuais, negros, doentes mentais, mestiços – e alguém se lembrou de incluir gente politicamente desviada – mereciam tratamento especial. O cólume desta arquitetura, todos sabem, resultou no maior drama da história ocidental e, provavelmente, o mais sistemático e sem paralelo massacre da história recente. 

 

A ideologia ariana forçou os cofres do Estado alemão a desembolsar milhões para divulgar e patrocinar a doutrina do Führer, e ali, muitos dizem, o berço da mentira como indústria e, portanto, do marketing político moderno. Centenas de milhões do opúsculo raivoso de Hitler circularam e não possuir um exemplar de “Mein Kampft” tomado como séria ofensa ao Estado. A palavra nazista originária de nazional sozialism – literalmente nacional socialista, diferentemente de matizes à direita e à esquerda do fascismo, comporta uma designação precisa. Trata-se de um termo em franca vulgarização, que tem evocado banalmente o mal genérico e universal. A linguagem não costuma trair. Hoje em dia, se bobear, qualquer porteiro mal educado, jornalista independente ou sujeito crítico corre o risco.

 

Quando o Estado, centralizado em poucas cabeças, obriga todos os outros a segui-las, e há obediência civil, está aberta uma trilha ao abismo. Na lista de aberrações, temos o livro vermelho de Mao, o livro verde de Khadafi, a obra marrom de Pol Pot, fora as outras tonalidades de muitos outros. O mínimo múltiplo comum é que todos eles se auto-intitulam salvadores; sim, claro, de si mesmos. Pois nascem, crescem e morrem com um só objetivo, narcísico, o culto à própria personalidade.

 

Pulo para o nada sóbrio relatório do diretório do partido governista acusando o STF de “tribunal de exceção” e comparando ambos, processo e julgamento, aos procedimentos nazistas. Dado o respaldo popular e apoio maciço aos juízes deixaram para emitir a nota depois das eleições. Professores universitários e jornalistas decanos emprestaram suas habilidades e estilos à causa, dando os retoques finais ao documento. É aqui que nos perguntamos se a isso chamam honestidade intelectual?

 

Bastou para a enxurrada de pseudo-artigos na web, e na grande, média e minúscula imprensa, classificando o julgamento da ação penal 470, “erro jurídico rotundo”. Depois espalharam rumores e insinuações gravíssimas contra a corte jurídica e o procurador geral da República. Além das calúnias, exageros retóricos e grotesca falta de acurácia terminológica esses dirigentes partidários ficaram devendo às novas gerações uma versão verossímil dos fatos.

 

Poderiam ter afirmado, por exemplo, que as penas foram desproporcionais, que as provas deveriam ser mais consistentes, e até esbravejar para discordar da decisão do tribunal. Aliás, ninguém duvidaria que fosse esse o papel do partido. Infelizmente, veio a imprecisão panfletária, a palavra de ordem, a conclamação das massas, o intransigente desrespeito à constituição. Já que uma virada humanista e um governo de coalização parecem alternativas impensáveis, o único e involuntário aspecto favorável da ação dos dirigentes do partido hegemônico talvez tenha sido acelerar sua decadência.

 

Os magnatas do poder podem estar se aposentando coletivamente. Que durmam bem e nem precisam mais mandar notícias. Não custa sonhar que nos novos postos de trabalho, gente mais crítica e mais disposta a ir além do sectarismo ranzinza, assuma responsabilidades e conceda nada além do que deveriam ser nossos direitos naturais: plena cidadania e direito à vida.

 

Viajei, sei que viajei! Mas, como escreveu o poeta irlandês Willian Butler Yeats, é nos sonhos que começa a responsabilidade.  

 

Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de “A Verdade Lançada ao Solo” (Ed. Record)

 

paulorosenbaum.wordpress.com.br 

 

para o link do JB

http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2012/11/22/a-responsabilidade-nasce-dos-sonhos/

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Com Olhos em Gaza

18 domingo nov 2012

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos

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aitolás, antiamericanismo, antisemitismo, conflito israelo-palestino, Gaza, guerra, Irã, Israel, justiça, liberdade, regime teocrático, violencia

Com Olhos em Gaza

O Ministério adverte: esse artigo não é recomendável para torcedores fanáticos nem para aqueles que insistem em ter razão a priori.

O que está acontecendo entre Israel e o Hamas, que ocupou a faixa de Gaza depois que as forças de defesa desocuparam aquela região, era o segundo mais previsível dos conflitos. O primeiro será a manobra derivacionista, conduzida sob o estímulo direto do Irã, parceiro de Assad nos massacres contra o povo sírio. Nos próximos dias, se tudo sair direitinho conforme planejado, o regime teocrático vai tentar reabrir novo front ao norte.

O que virá depois ninguém sabe. As superpotências e a ONU estão ocupadas demais com as bancarrotas financeiras nos seus quintais para bloquear a selvageria que acomete a região.

Mesmo assim, é preciso um pouco de suspensão de qualquer crase ideológica para colocar qualquer luz nos fatos recentes. Os palestinos da Cisjordânia, ligados ao Fatah, tem sido mais pragmáticos e, mesmo capengas, os acordos de Oslo ainda dão alguma sustentação a ideia de dois Estados, a única saída para o conflito. Ninguém pode dizer que não há uma vida tensa, porém vigora certa normalidade, e até prosperidade econômica. Na Palestina de cima há uma classe média, politizada e crítica, e um crescimento econômico de 8% ao ano. Nada mal para tempos de recessão mundial.

A convivência tácita entre os dois povos é uma realidade. Era essa a chance de diálogo que vem sendo desperdiçada há pelo menos uma década. Sempre será a paz fugidia, instável e permanentemente tensa, ainda assim paz.

Completamente diferente da situação da Palestina do Sul, dominada pelo Hamas, organização paramilitar islamofascista, que usa a população civil de Israel como alvo preferencial de mísseis destrutivos, falsamente artesanais, há alguns anos, seguidamente. Essas provocações, que obviamente não são só feitas com biribas inócuas, provocam pânico, destruição e morte entre a população civil do sul de Israel, acarretando uma semivida em bunkers para cerca de um milhão de pessoas. Exatamente a mesma população de Gaza, onde por sua vez, prevalece extrema pobreza, apesar de circular muito dinheiro. Lá, como no tráfico dos morros, o fluxo financeiro das doações é controlado com mão de ferro pelos aitolás do Hamas. Esse controle permite sustentação política através da bem sucedida politica assistencialista, que tanto seduz aqueles que querem dominar as massas sem lhes conceder independência de opinião, liberdade de expressão e aquelas palavras horríveis, que provoca sinceros arrepios nos populistas do mundo: consciência crítica.

Apesar da esmagadora superioridade militar das Forças de Defesa israelenses, a tática de guerrilha islâmica dá certo por uma conjunção de dois fatores interdependentes: o medo crescente da população civil e o consequente apoio da população israelense aos governos que usam preferencialmente a linguagem militar dura: só retaliações permanentes protegem. O fato é que não protegem, e na infernal retroalimentação, agora o risco concreto é cair na velha armadilha e abrir novo front, desta vez por terra. O resultado já pode ser antecipado e bem antes da abertura das urnas funerárias: mais foguetes e mais baixas entre civis, dos dois lados.

O agravante agudo é o Egito, agora com a irmandade muçulmana no poder, adepta da prima-irmã da doutrina que inspirou o Hamas. Mas o grande tabuleiro oculto vem do xadrez pesado que o Irã faz para hostilizar o Estado Judaico através do expansionismo xiita e sua pan-influencia, que vai da Síria à faixa de Gaza, passando pelo Líbano com sua sucursal naquele país, o Hezbollah.

Há poucos dias, uma efeméride chamou-me a atenção um fato que desconhecia, no século V, um rei etíope puniu os judeus daquele país por ajudar muçulmanos. Sabíamos dos antecedentes de ajuda mútua na idade média: no século X o mesmo aconteceu com os muçulmanos, desta vez por abrigar e esconder judeus das garras da Inquisição. Ou seja, há precedentes históricos de solidariedade e paz entre estes povos. Isso para dizer que o conflito não é, nunca foi atávico. Atávico virou uma designação politica contemporânea para confirmar que não tem jeito, que devemos nos conformar com o inexorável.

Mas não só não devemos, como não podemos nos dar a este luxo!

O fato de termos chegado a um lugar onde aparentemente não há uma saída visível para ninguém, evidencia que, mais uma vez, a sociologia da ignorância entrou em ação para mostrar todos seus resultados pedagógicos. Nenhum dos lados é santo, mas a culpa está sempre aonde se concentram mais fanáticos.

Estamos em pleno fogo que decerto vai respingar no mundo, quando poderíamos ter, todos nós, evitado mais essa vergonhosa saraivada de mísseis estúpidos.

Não é a toa que precisamos pedir ajuda aos Céus, onde ainda há esperança de vida inteligente.

Paulo Rosenbaum, é médico e escritor. É autor de “A Verdade Lançada ao Solo”

Paulorosenbaum.wordpress.com

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http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2012/11/17/com-os-olhos-em-gaza/

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Intelectuais e déspotas

28 quinta-feira jun 2012

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos

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antiamericanismo, déspotas, Ditador do Irã, nazismo, refusiniks, teocracia

Intelectuais e déspotas

Não foi um caso isolado da Rio + 20. Às cotoveladas sessenta intelectuais (sempre bom recorrer à etimologia para saber se a atribuição ainda bate com o significado: intelecto – ação de compreender) se apertaram para assistir a explanação do ditador iraniano. Uma possível compreensão, nesse caso legítima, seria que os doutores tivessem ido até lá para saciar a curiosidade frente a um homem deselegante, que já negou o holocausto, considera mulheres seres de terceira categoria, persegue minorias como Bahai e Sufis e prega a reforma “por bem ou por mal” dos homossexuais. Sem contar os criminosos atos contra os protestos da oposição nas comprovadas fraudes eleitorais que o levaram a reeleição. Eleição é modo de dizer, sufrágio indireto, que só se concretiza com aval do líder supremo.

Ninguém duvida que é sempre interessante ter a oportunidade de ver uma “criminal mind” ao vivo, tudo para tentar entender como funciona a mente onipotente, como raciocina o fanático, e sentir a astúcia do mitômano.

Mas parece que não é isso que tem levado intelectuais do mundo a aderir ao pensamento monológico e ao culto dos déspotas que se proliferam pelo mundo. Talvez, cansados da anomia e do fracasso crônico das experiências com os projetos sociais pelos quais se batem, só encontrem recompensa naqueles que prometem implantar a justiça plena na Terra.

Com o fim das doutrinas e a morte dos heróis, só um ungido pode saciar os intelectuais de nossos tempos.

A perplexidade máxima aflora quando se identifica na plateia herdeiros de tradições ideológicas consistentes, a maior parte daquela vertente que um dia convencionou-se chamar de esquerda. A adesão se dá basicamente por uma única afinidade: a postura antiamericana.

Ficou fácil conclamar fiéis, bastando para isso desfraldar a bandeira “morte à América”.

No caso de professores e gente esclarecida e com tanto currículo na bagagem, que espontaneamente escolheu ir ao encontro o fato nos deixa à deriva. Melhor dizendo, à lona!

O fenômeno transcende a razão e como evitamos a parapsicologia, precisamos nos contentar com a velha psicopatologia. Alguém pode explicar como o carisma agressivo e non-sense entorpeceu tantas cabeças a ponto de asfixiar a região onde se aloja a capacidade critica?

Pode ser que seja inevitável que chefes de partidos ou figuras do executivo tenham que ciceronear ditadores e gente que, para conquistar o poder, deixou rastro de cadáveres. Costuma-se aturar isso dignamente com a ajuda de autocontrole, respiração yogue e
banhos frios.

O fenômeno leva o nome de pragmatismo selvagem, o que conduz inevitavelmente a uma espécie de esquizofrenia política.

Basta um exemplo: sabe-se que o regime teocrático do Irã apoia abertamente o regime Sírio de Assad e sua atual política genocida. Pois decerto alguns dos bem pensantes que sentaram nas cadeiras da frente assinaram petições, ao menos devem ter pensando nisso, contra o massacre do povo sírio. Pois é o que a selvageria política faz com as pessoas: produz incoerências seriadas. Ninguém tem compromisso com a coerência nem com a lucidez, mas há uma ambivalência ética que é capaz de dissolver o caráter.

Esta fusão de ideologia tosca com pragmatismo já foi o estuário de desastres políticos importantes em outros continentes. A adesão de extensas camadas da população universitária na Alemanha nazista – o maior apoio vinha dos profissionais liberais com 50% dos médicos alemães dando endosso à ideologia ariana do Fuhrer.

E não é que persiste a maldição dos “formadores de opinião”?

As massas finalmente aderiram e produziu-se um consenso perto do absoluto, a favor do expansionismo belicista germânico.

O mesmo apoio das camadas intelectualmente mais esclarecidas marcou nos primórdios a Revolução Soviética. Até que testemunhando o desvirtuamento e a implantação de um regime tão sanguinário e opressor quanto o de seus antecessores, os intelectuais mais críticos começaram a ser internados em hospitais com ajuda de um sistema nosológico criado sob encomenda aos psiquiatras comunistas.

Dissidentes começaram a ser diagnosticados como insanos: refusiniks. Para um regime totalitário só um doente mental pode recusar o sistema perfeito.

Foi Hanna Arendt quem escreveu que quando “termina a autoridade começa o autoritarismo”. Agora que a autoridade natural no Brasil está no início do declínio já que sua sustentação depende da bonança econômica e a inadimplência chegou a um patamar perigoso, o desespero já começou: alianças desastradas, chantagens e ameaças institucionais chegando ao destempero com promessas de mordidas.

Nossa sorte é que hoje o homem comum no Brasil deixou de ser bobo e já sabe como deve sair de casa: discreto, sem lenço, cheque ou documento e, se possível, com caneleiras à prova de predadores.

Paulo Rosenbaum é médico e escritor. É autor de “A verdade Lançada ao solo” (Ed. Record)
paulorosenbaum.wordpress.com

Para comentários acessar o link do JB

http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2012/06/28/intelectuais-e-despotas/

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Hiatos de guerra

08 quinta-feira dez 2011

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos

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antiamericanismo, antisemitismo, Armas nucleares iranianas, Irã

Jornal do Brasil – 08/12/2011

Hiatos de guerra

Escritores e compositores pop acham que devem opinar sobre tudo. Tariq Ali não fugiu à regra. Acaba de explicar a um jornalista na última Fliporto, em Olinda, que o atual clima contra o Irã envolve Israel porque este não quer ver ameaçado seu monopólio nuclear. Além das exaltações ao ditador do Irã, endossou a montagem do arsenal nuclear do regime persa “cercado de potencias nucleares como Paquistão, Índia, Coreia do Norte, e um pouco mais distante China (sic).” Quem sabe Ali poderia esclarecer se afinal estamos diante de monopólio ou se, nos arredores, já existem armas nucleares em abundância? De quem fala? Quem prometeu varrer Israel do mapa? Uma hora dessas o paquistanês precisará abandonar a ficção e trazer argumentos verdadeiros para prosseguir sua campanha contra “conspiradores sionistas” e “inimigos imperialistas”.

Não faz preocupação quando alguém dispara tantas atrocidades isoladamente. O problema é o coro. Legiões inteiras fazem brotar jargões anacrônicos em suas vitrolas acríticas. Entre nós, há gente que perdeu a timidez e hasteou bandeira a favor do acúmulo de armas de destruição em massa. Bizarro ativismo: pacifistas atômicos sonhando com democracia nuclear.
Segundo especialistas em segurança internacional o fundamentalismo adicionou à análise fatores imponderáveis. Há muita gente interessada em guerra, a começar pela atual administração do Irã, que, para sobreviver como regime sabe que precisa expandir a influencia xiita pelos arredores. A exportação da revolução islâmica de Teerã (bem sucedida no Líbano, Iraque e Síria) hoje está sendo acelerada e, dissipada toda euforia, seus braços visíveis despontam em vários segmentos da “primavera árabe”. No front interno precisam contornar a guerra civil iminente.

para ler na íntegra acesse

http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2011/12/08/hiatos-de-guerra/

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