• Uma entrevista sobre Verdades e Solos
  • Resenha de “Céu Subterrâneo” no Jornal da USP
  • A verdade lançada ao solo, de Paulo Rosenbaum. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010. Por Regina Igel / University of Maryland, College Park
  • Resenha de “Céu Subterrâneo” por Reuven Faingold (Estadão)
  • Escritor de deserto – Céu Subterrâneo (Estadão)
  • A inconcebível Jerusalém (Estadão)
  • O midrash brasileiro “Céu subterrâneo”[1], o sefer de “A Verdade ao Solo” e o reino das diáforas de “A Pele que nos Divide”.(Blog Estadão)

Paulo Rosenbaum

~ Escritor e Médico-Writer and physician

Paulo Rosenbaum

Arquivos de Categoria: céu subterrâneo

Um Antepenúltimo Kadish* ( Blog Estadão)

22 terça-feira mar 2022

Posted by Paulo Rosenbaum in A Pele que nos divide- Diáforas Continentais, Artigos, céu subterrâneo

≈ 2 Comentários

Um Antepenúltimo Kadish*

Durante a inauguração da pedra

Arte a partir do desenho de Hanna Rosenbaum

Como você alternou de forma tão clara a consciência com nonsense?

A alegria com o senso agudo de realidade, a retidão com o desapego.

A pergunta que me persegue desta tua última aparição, não a dos sonhos,

mas daquela noite.

Aquela que foi tua última noite de consciência (ou vigília?)

O que você quis realmente dizer com as últimas palavras?

Você cutucou o braço da moca da enfermagem para tentar dizer algo, mas não disse,

Não poderia dizer. Estavas sem voz. Tua voz, para nós continuamente sagrada e apaziguadora.

Firme, e ao mesmo tempo, gentil.

Como dizer para qualquer um aquilo me quebrou em migalhas?

Cheguei a achar que eram disformes, irrecuperáveis.

Mas pensei no que você diria: há afinal algo irrecuperável?

Ou somos ineptos para entender este estado da consciência?

Você dizia que queria que tentassem de tudo.

O que esquecemos de tentar?

Talvez deixar tudo ao acaso como queriam aqueles que achavam que nada vale a pena.  

Mas, e teus segundos de contemplação arguta?

E tua mão recebendo a minha gelada quando te anunciei que era o dia mais frio do ano.

A noite mais fria da Terra, da nossa terra.

Da terra comum que nos acostumamos a criar juntos.

A noite da despedida da saúde que nunca chegou.

E sabes por quê?

Porque você sempre recusou despedidas. Você as rechaçava. Tua missão de hoje?

Que tal relatar qual foi o acordo que você fez com o Criador.

O pacto que você preferiu guardar. O segredo que jamais conheceremos.

Mas eu o intuo.

Era sua recusa anárquica em ceder, em fazer concessões à severidade excessiva, em achar graça das formalidades, da seriedade burocrática.

Ou rejeitar aquilo que chamam de inexorável.

Ao que a vida material quer nos impor. Como você sempre afirmou sem um vestígio de desengajamento “este é um mundo de forças inferiores” e nossa missão é desembrutecê-lo.

Como as armas que temos, gentileza e generosidade. 

Tua consciência permaneceu sempre límpida.

Tua visão do olam raba, o mundo vindouro, era clara.

Sempre foi. Não era apenas o imaginário ordinário de uma passárgada, mas um paraíso cheio de festividades e danças celestes. Esse era teu talento. Nos tirar do sufoco da constância da gravidade, nos elevar até o teu invencível sorriso  

E quando os céticos te pressionavam você também sorria, já que eles não conheciam tua obstinação em servir a D-us de uma forma verdadeiramente individual e única como nos ensinou Ball Shem Tov. Como poucos você conheceu a adesão, a proximidade máxima, a Dvekut.

Como um Moisés de nossos dias, depurados de decretos de faraós antigos e contemporâneos. você foi entregando tua vida para ser reparada pela influência solar.

Sob o sol que te esquentava no sofá. Na poltrona que te atraia para nos servir o café do dia a dia.

Sem omitir a famosa bengala que usavas como batuta. 

Como você conseguia arrancar do cotidiano o extraordinário que ninguém mais reconhecia?

Há um mistério aí.  

Sabemos que há um Juiz da Verdade, mesmo não sabendo quem é o ‘“Grande quem?”

Na tradição judaica “O Grande quem”, só pode ser quem sempre te orientou, e te inspirava em segredo uma consciência rara e única.

Quando você me perguntava como se alcançava a Grande Vida: você sabia, era o único que já conhecia a resposta.

Esta frase do Talmud aqui grafada no mármore preto: “Um sábio é maior do que um profeta” nunca foi exagerada: você realmente foi ambos. 

Te declarar este apreço é um exagero, decerto perdoável.

Você está mesmo em outro lugar, aquele terreno que flutua, do qual nenhum habitante jamais retornou?

Para mim tua presença é ainda tão palpável e tua voz faz tanto eco que só confirma que a existência da música indissipável.

Muitos me falaram: te amaram mesmo sem nunca ter te conhecido, isso só pode significar que os inesquecíveis são imortais.   

Eu te perguntava o que significam as grandes assimetrias, o mero respirar, as façanhas fúteis, as sagas e vaidades daqueles que só veneram a si mesmos.

“Esquece”, você respondia.

Achavas que a vida e a alegria valiam mais. Era o jarro dos levitas que te hidratava com um sentido invisível para o senso comum.

Teu lema “rir a cada 15 minutos” sempre soará enigmático para a multidão. Rir de si mesmo. Rir da pretensão. Rir das compreensões provisórias, ou seja, todas. Rir como um ajuste de contas com as racionalizações abusivas. 

Mas, preciso registrar Pai, a verdade é que ficou bem mais difícil.

Prometo, isso é provisório.

Logo adiante, fiéis à tua tradição, retornaremos ao lúdico, aos jogos de palavras, à felicidade imotivada.

É assim que te honraremos para sempre.

* Para Mosche Aaron Ben Nachman Wolf

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Escritor de deserto – Céu Subterrâneo (Estadão)

14 domingo abr 2019

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, céu subterrâneo, Imprensa, Livros publicados, Na Mídia

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Amós Oz

Escritor de deserto

(Do livro “Céu Subterrâneo” onde usei trechos da minha entrevista com Amós Oz realizada em Israel em 2013)

Para Amós Oz

…eu já tinha entrevistado algumas pessoas e, na noite anterior, graças à persistência em cima de sua agente literária em Londres, Amos Oz conversaria comigo por telefone, de sua casa no deserto, Arat, sul de Israel.

Se pudesse confessar, confirmaria que tinha a ingênua sensação de que se minha inteligência fosse reconhecida por algum notável, minha reputação na nova carreira estaria, se não garantida, pelo menos bem encaminhada. Originalmente planejei uma abordagem enfocando a militância política de Oz, mas um acordo prévio me inibiu e só conversariam sobre literatura.

Eu estava muito apreensivo, já que o telefone em Arad não atendia. Tentei novamente buscando novo código de área.

O telefone toca.

– Sim –, atende a voz grave de Amos.

Eu não sabia o quanto poderia avançar, mas me convenci de que estava fazendo seu trabalho.

Identifiquei-me e já fui perguntando diretamente, sem rodeios:

– Qual seu conselho para um escritor?

– Sim. Um, muito simples e breve: só escreva sobre aquilo que você conheça muito bem.

Foi então que repeti a sentença e Amos calou como se dando um desfecho abrupto.

Reagi:

– O que é conhecimento?

– É a imaginação.

– Conhecemos pela imaginação?

– Não sei, não sou mais filósofo. Mas a criatividade foi o que nos restou como instrumento de sondagem… não há mais nada.

– O que se pretende com a literatura, vale dizer, devemos pretender?

– Você diz, além de uma terapêutica involuntária? – Amos riu sem espontaneidade para prosseguir de mau humor provavelmente por ter achado a pergunta previsível:

– Não há finalidade, nada a ser aprendido ou ensinado. Apenas um sujeito doando suas impressões. Isso, doação de impressões. Meu compromisso não é esse, mas acho que até acabamos ajudando pessoas! O mundo precisa mais de literatura do que os escritores. Aliás, ninguém precisa dos escritores.

– Há uns anos você provocou seus leitores dizendo que precisávamos convidar a morte para sentar e conversar. Em qual contexto disse isso?

– Não era provocação! Devemos convidá-la para fazer as perguntas que faríamos a ela depois. Oz pigarreia para concluir.

– Depois?

– Quando já é tarde demais e já não poderemos ter o prazer de perguntar. Por que não antecipá-las e fazê-las enquanto ainda estamos aqui vivos?

– Quais perguntas?

– Mister Mondale, sei que o compreenderá, estou no meio de um texto desafiador. Como escritor, o senhor sabe do que falo.

“Poeta, não escritor.”

Assim terminou a entrevista.

______________________________________________________________

O que aprendi com Oz?

Que tudo é contagem regresssiva, e só o que importa é a exiguidade do tempo diante da uma gigantesca e interminável tarefa, a de contar histórias.

Até a pergunta chave para a morte merece ser suspensa quando se trata de usar a imaginação. E escrever.

Grato Amós.

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As respostas estão no subsolo (Estadão)

13 sábado abr 2019

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, céu subterrâneo, Livros publicados, Na Mídia

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céu subterrâneo, Editora Perspectiva

AS RESPOSTAS ESTÃO NO SUBSOLO

Novo romance de Paulo Rosenbaum promete entregar respostas e mistérios da origem comum aos seres humanos. Elas não estão no céu que nos protege, mas no subterrâneo que nos sustenta.

Em Céu Subterrâneo, novo romance de Paulo Rosenbaum, a sensação labiríntica de risco e desconcerto infiltram-se pelas páginas e dominam a saga de Adam Mondale, colecionador de câmeras antigas, possuidor de uma córnea defectiva, aspirante a escritor e judeu laico. Em sua personalidade plural e interesse particular, Mondale é regido pelos mistérios que envolvem um antigo e irrecuperável negativo fotográfico, que carrega em si o insuperável da condição humana.

 

Ao receber uma bolsa literária, Adam Mondale embarca no último vôo noturno para Jerusalém, a fim de desvendar os mistérios de um antigo negativo fotográfico. Através de linguagem simples e envolvente, Céu Subterrâneo propõe uma visão crítica das sociedades atuais, divididas entre a exigência de uma racionalidade laica e o apelo da tradição, inclusive religiosa. De formação acadêmica laica, Rosenbaum apresenta em forma de romance, um texto que se equilibra entre ensaio e declaração de princípios, no eterno jogo entre razão, subconsciente e valores sociais.

 

Desci do carro cheio de pressentimentos. Um cheiro me acompanhava na descida. Estava impregnado, mas não sabia se vinha do motorista, da rua, de um incenso ou de uma especiaria esmagada no chão. Saí do carro me arrastando instável e cheio de malas, mochila e sacolas. Sozinho, parei para olhar a viatura branca se distanciando na madrugada. O trajeto já indicava temperaturas de inverno, mas tudo só se confirmou quando parei para respirar fundo. Aquela noite gélida, escura, tinha textura. Do céu roxo gotejava aquilo que os ingleses chamam de freezing rain, gotas intermitentes que transitam entre chuva, neve e garoa. Temi pela região deserta, pelo rigor mortis da quadra, pelo esconderijo do apartamento.
“Qual prédio?”
Minha residência parecia abandonada. Só uma janela acesa no terceiro piso num prédio de quatro andares.
“Ops. Mas aluguei um apartamento no oitavo andar!”
Em todo caso, ignorei o desconforto e caminhei em direção ao here arrastando a mala.
Chamou minha atenção o letreiro de jade do muro que parecia uma lápide do século XIX.
“Montefiore Testemunhals”
Tomei coragem e entrei na viela, desequilibrado pelo piso de pedras irregulares.
Fixei-me então nas calçadas com aqueles blocos enormes: as mãos do arquiteto Herodes estavam por toda parte. A escuridão esfumaçada da neblina retinha o toque noir. Uma sensação às costas indicava que eu estava sendo seguido de perto. De vez em quando eu olhava para trás, mas não surpreendia ninguém.

https://editoraperspectivablog.wordpress.com/2016/04/29/as-respostas-estao-no-subsolo/

http://www.editoraperspectiva.com.br/index.php?apg=cat&npr=1094&uid=05062016145628176070148200

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Resenha Crítica de Céu subterrâneo Por Cíntia Moscovith – Jornal Zero Hora

03 quarta-feira ago 2016

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, céu subterrâneo, Livros publicados, Na Mídia

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Adam Mondale, céu subterrâneo, Cíntia Moscovith, Editora Perspectiva, Israel, Jacó e Gita Guinsburg, Makhpelá, Resenha Crítica Literatura, Verdade lançada ao solo

Cíntia Moscovich: Debaixo da terra

A colunista escreve quinzenalmente no 2° caderno

01/08/2016 – 06h04min | Atualizada em 01/08/2016 – 06h04min
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Protagonizado por Adam Mondale, um autor em crise que ganha uma bolsa para viajar a Israel e escrever um romance, a trama se escora nos mistérios que envolvem a gruta de Makhpelá, o Túmulo dos Patriarcas da tradição judaica – daí o “céu subterrâneo” do título –, local que Abraão teria comprado para sepultar Sara e onde estariam enterrados o próprio Abraão, Isaac, Rebeca, Jacó e Lia.

Veja também:
Cíntia Moscovich: Vade retro
Cíntia Moscovich: A rotina do artista

De posse de um velho negativo de máquina polaroide, com o aluguel de um apartamento feito pela Internet, Mondale chega a Jerusalém numa madrugada fria e chuvosa. Ao procurar o endereço, se descobre enganado – e essa é a primeira peripécia da história. A partir daí, o livro se desenvolve em três planos: a aventura em Israel, a construção do romance e o descobrimento pessoal do personagem – inclusive de um misticismo rechaçado mas inescapável. Com tons kafkianos e metalinguísticos, a trama se apresenta com a cronologia alterada, cabendo ao leitor organizar a sucessão dos fatos no tempo.

Dono de uma prosa envolvente, embasada num extenso conhecimento da matéria, Rosenbaum, que é também autor de A verdade lançada ao solo (2010), cria um clima labiríntico, no qual a tensão é alimentada por cortes precisos e informações que surgem em momentos cruciais da narrativa.

Ademais das virtudes inerentes, Céu subterrâneo tem ainda a chancela de uma das respeitadas casas editoriais do país, que completa 50 anos sob o comando de Jacó e Gita Ginsburg. Responsável pela coleção Debates, a Perspectiva publica uma vastíssima gama de assuntos, tendo participado diretamente na formação intelectual (e afetiva) de todos os brasileiros que se debruçam sobre as humanidades. O selo é certeza de edições de qualidade – como é, sem dúvida, o caso de Céu subterrâneo.

http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2016/08/cintia-moscovich-debaixo-da-terra-7040569.html#

 

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Resenha de “Céu Subterrâneo”por Lyslei Nascimento – Revista Maraavi Nascimento publicado na revista Maar

01 quarta-feira jun 2016

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, céu subterrâneo, Imprensa, Livros publicados

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céu subterrâneo, Hebron, Lyslei Nascimento, Machpela, resenha, revista Maaravi

ROSENBAUM, Paulo. Céu subterrâneo. São Paulo: Perspectiva, 2016. 254p. Da escrita e da arqueologia, modernidade em ruínas
Lyslei Nascimento*

O romance Céu subterrâneo, de Paulo Rosenbaum, surge em um tempo em que o leitor já não cultiva o que não pode ser abreviado. No entanto, amante das grandes narrativas, como se pode constatar desde A verdade lançada ao solo, de 2010, o escritor, ao tentar realizar uma síntese impossível do céu – as coisas do alto, como a espiritualidade – e as subterrâneas – não somente as coisas terrenas, mas aquelas que estariam abaixo nível do chão, como a memória e a identidade – inscreve-se numa poderosa tradição de romancistas como Umberto Eco e Salman Rushdie.

Esses escritores se esmeram em construir suas tramas a partir do que Italo Calvino chamou de hiperromance ou romance enciclopédico, uma narrativa marcada pela tensão entre o peso e a leveza, a exatidão e a multiplicidade. Na contramão do desejo de brevidade, eles oferecem ao leitor uma narrativa densa, cheia de camadas, idas e vindas, jogos temporais e espaciais, intertextos sofisticados, buscas quase infinitas de duplos e fantasmagorias, além de uma concepção fundamental da literatura como conhecimento. O convite à leitura é, portanto, nesses autores, um desafio à viagem, à investigação.

Na trama de Rosenbaum, um escritor viaja para Israel em busca de si, de sua inscrição numa tradição da qual ele acredita ser “desafilhado”. Por isso, não é só um ponto de vista que é sugerido pela expressão paradoxal “céu subterrâneo”, mas também um jogo entre o fora e o dentro, a exclusão e a inclusão, que está em perspectiva. O que se percebe, nesse sentido, é que a narrativa vai se adensando e um enigma precisa ser decifrado pelo personagem e pelo leitor, que se veem diante de um labirinto, com suas ruas e ruelas, falsas entradas e ilusórias saídas – tudo muito bem arquitetado para fazer perder tanto o personagem quanto o leitor. Decifrar ou ser devorado parece ser o que, irremediavelmente, impele o protagonista, “o estranho que se estranha”, para o que seria a sua busca pela verdade, pela resolução do que a ele, e ao leitor, se impõe como um problema, real ou psicológico. Inquérito e investigação, em construções análogas as de Edgar

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Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 10, n. 18, maio 2016. ISSN: 1982 3053.

Alan Poe, a concepção do amigo Assis Beiras, faz lembrar Conan Doyle com o célebre parceiro de Sherlock Holmes: um Dr. Watson tropical. Escavando e recordando, como queria Walter Benjamin, as referências à narrativa de enigma e de investigação policial não são gratuitas. Torna se, assim, o narrador o investigador de si mesmo, de suas origens, e o leitor o seu cúmplice.

O que Adam Mondale deseja em sua tentativa de desvendar um passado ancestral judaico e, é preciso dizer, coletivo? Desentranhar se ou ali se inscrever, de forma singular? A sua busca de uma imagem da sepultura de Adão, o homem primordial, não é banal ou retórica, mas se dá a partir de leituras e releituras, de livros, de imagens, de tradições que vão desarmando interpretações cristalizadas e armando outras, mais precárias, porém sutis. Nesse sentido, o romance trata de coisas desaparecidas, ou soterradas, e das inexistentes, ou imaginárias.

A referência a um código pictórico, como o Jardim das delícias terrenas, de Hieronymus Bosch, por exemplo, e fotográfico, como o negativo da Polaroide encontrado e seu correspondente holograma, são explorados no uso de um vocabulário ambíguo, que pode ser tomado em vários sentidos. Desse modo, revelação, iluminação ou negativo são termos que podem ser levados às últimas consequências interpretativas. Assim, a fotografia, que poderia ser uma prova de realidade, e a busca que o narrador realiza, são postas em xeque, fazendo surgir sombras ou delírios, tudo muito bem entretecido com reflexões pungentes sobre a escrita e dilemas de um escritor na contemporaneidade.

Quase como um místico à deriva, ou um voyeur, numa irônica condição de sofrer de uma doença nos olhos, cuja “córnea é riscada”, prejudicando lhe a visão perfeita, destaca se o caráter de colecionador de câmeras e filmes antigos (marcando o que seria a modernidade em ruínas) e as múltiplas facetas do personagem como professor, psicólogo, fotógrafo e detetive (buscando apreender a fugidia condição do escritor pós moderno). O texto aponta para o que, em certa medida, Ricardo Piglia afirmou sobre a escrita atual: o gênero policial, em todos os seus desdobramentos, é o grande gênero moderno que inunda o mundo contemporâneo.

Narra se uma viagem ou um crime. Que outra coisa se pode narrar? . Às vezes, as duas coisas, é preciso ressaltar. Sob essa dupla sentença, Piglia parece refletir sobre as estratégias de construção textual presentes no romance de Rosenbaum. Sobreposta à viagem a Israel, e, em Israel, a viagem a Hebron, além da busca pela

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Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 10, n. 18, maio 2016. ISSN: 1982 3053.

fotografia que desvelaria o segredo, a metáfora da arqueologia traduz, de forma contundente, a investigação que o protagonista realiza de si e do outro, espelhando, com requinte, a estrutura narrativa do romance.

A partir de um negativo fotográfico encontrado na Caverna dos Patriarcas, a Gruta de Macpelá, o narrador sai a campo em investigação. O complexo, localizado na antiga cidade de Hebron, depois do Monte do Templo, é o segundo local mais sagrado para os judeus e venerado, também, por cristãos e muçulmanos. Todos eles, com algumas variações, afirmam que é o lugar onde foram enterrados os quatro casais bíblicos, daí o nome “Macpelá” ser uma referência à câmara de sepultamento desses casais, ou seja, a caverna dos túmulos dos casais: Adão e Eva; Abraão e Sara; Isaque e Rebeca, Jacó e Lea.

As cidades de Rosenbaum, tal qual as de Cidades invisíveis, de Italo Calvino, aparecem especulares, refletidas, em dupla exposição, sendo atravessadas pelo narrador, com seu olhar avariado, diluindo as fronteiras, fazendo com que os limites sejam intercambiáveis. Jerusalém e Hebron prefigurariam, assim, espaços sagrados e profanos, espelhamentos de textos que são desfolhados ou revelados em suas entranhas a partir de referências ao campo semântico da fotografia, da arqueologia e da narrativa de enigma.

O passado, as ruínas, os restos mortais são iluminados pela escrita e pela investigação, como uma prova, no tempo presente, de algo que só chega a ser minimamente delineado. —“Prova? Você agora está escavando?”, pergunta a esposa de Adam. —“Estamos pesquisando”, ele responde.

Ressalte se, nessa citação, que a pergunta se apresenta no singular, mas a resposta, apesar de só poder ser também nesse diapasão, porque não há, explicitamente, outra pessoa junto a Adam, acontece no plural. Essa configuração múltipla do personagem é dúbia e está explícita em suas muitas facetas, na complexa conformação de seus vários eus. Ou seja, esse personagem também se apresenta a partir de “camadas arqueológicas” da vida presente com as passadas, relações conflituosas com a culturas e a tradição judaica, angústias e influências de textos e imagens que leu e escreveu ou fotografou.

Evidentemente que a ideia de duplo, presente desde o título do romance, tem, no nome do narrador, Adam, espelhando sua busca por Adão, e Macpelá, o nome da gruta que sugere o túmulo dos casais, além das cidades de Hebron e Jerusalém –

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Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 10, n. 18, maio 2016. ISSN: 1982 3053.

com suas ruínas e reconstruções trazidas à luz, por escavações – na arqueologia, sua metáfora mais instigante. Por intermédio da comparação do passado de uma cidade com o passado psíquico, Sigmund Freud, em O mal estar na cultura, reflete sobre o que o leitor pode analogamente vislumbrar na busca de Adam em Céu subterrâneo. Em vez de Roma, a cidade que insurge e ressurge do passado é Hebron, fazendo falar, a um só tempo, as vozes da tradição – de um tempo imemorial e mítico, que parece estar soterrado no passado – com índices do moderno e da contemporaneidade, como a fotografia, a computação gráfica, o holograma.

Céu subterrâneo, em níveis e desníveis, em estratos, espelhamentos, conformações e deformações, anseia que o leitor o atravesse, pari passu com o narrador. A busca obsessiva de Adam “pelo negativo” de uma imagem que todos julgam perdida, no entanto, não é vã. O leitor deverá acompanhá lo por cidades e grutas, da superfície para o interior, num espaço labiríntico. Sem esquecer, todavia, que escavar se é, também, ferir se, e que quanto mais profunda a incursão na memória ancestral, mais ele pode se elevar, para, na superfície, respirar e sobreviver.

* Lyslei Nascimento é Professora Associada na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, coordenadora do Núcleo de Estudos Judaicos e bolsista de produtividade do CNPQ.

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Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 10, n. 18, maio 2016. ISSN: 1982 3053.

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