• Uma entrevista sobre Verdades e Solos
  • Resenha de “Céu Subterrâneo” no Jornal da USP
  • A verdade lançada ao solo, de Paulo Rosenbaum. Rio de Janeiro: Editora Record, 2010. Por Regina Igel / University of Maryland, College Park
  • Resenha de “Céu Subterrâneo” por Reuven Faingold (Estadão)
  • Escritor de deserto – Céu Subterrâneo (Estadão)
  • A inconcebível Jerusalém (Estadão)
  • O midrash brasileiro “Céu subterrâneo”[1], o sefer de “A Verdade ao Solo” e o reino das diáforas de “A Pele que nos Divide”.(Blog Estadão)

Paulo Rosenbaum

~ Escritor e Médico-Writer and physician

Paulo Rosenbaum

Arquivos de Categoria: Livros publicados

Mure, o visionário que nos trouxe a homeopatia – Blog Estadão (publicado originalmente no Jornal da Tarde)

21 domingo nov 2021

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, Livros publicados, Na Mídia, O outro código da Medicina (e book) homeopatia, Pesquisa médica, Prática clínica

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Mure, o visionário que nos trouxe a homeopatia
Dr Paulo Rosenbaum

Em novembro de 1840 desembarcava no Rio de Janeiro o médico francês Benoît Mure, que se tornaria o introdutor da homeopatia no Brasil, chegando a dispor de sua fortuna pessoal para difundir a medicina e direcioná-la para o tratamento de escravos e de “excluídos pela sociedade”

Ao contrário do que muitos acreditam, a homeopatia tem uma longa história política e institucional neste país. Passou por várias fases de ascensão e queda e neste fim de século parece estar recobrando seu fôlego. A homeopatia foi oficialmente introduzida no Brasil por um discípulo direto de Samuel Hahnemann, o francês Benoît Jules Mure.

Benoît Mure (1809-1858) é um importante personagem na história da medicina brasileira especialmente no contexto da homeopatia. Deixou influências e as repercussões de seu trabalho continuam.

Mure chegou ao país depois de realizar uma peregrinação na Europa, aonde difundiu e divulgou os princípios da então nova arte médica. Palermo (na Sicília), Paris, Cairo e Malta estiveram em seu roteiro de propaganda homeopática.

Quando desembarcou no Rio de Janeiro a bordo da barca francesa Eole em novembro de 1840, Mure estava com 31 anos de idade e repleto de projetos visionários. Sua história repete a de muitos outros: recuperava-se de uma tuberculose pulmonar que o acometeu quando esteve sob o tratamento homeopático ministrado por Sebastião Des Guidi, discípulo de Hahnemann e introdutor da homeopatia na França. Filho de um rico burguês de Lyon, Mure formou-se em medicina em Montpellier (um reduto da medicina vitalista).

Este tratamento bem-sucedido, sucedeu outro sem êxito, levado adiante por um dos mais famosos médicos da França no início do século XIX, o clínico Magendie.

No entanto, vemos que os ímpetos científicos de Mure são intensos demais para serem apenas os frutos de uma gratidão pela medicina que o salvou de um quadro tuberculoso. Mure encontra a lógica – como o médico e naturalista alemão Constantine Hering já havia feito – e captura o método de Hahnemann, isto é o que particulariza sua preferência pela homeopatia.

O introdutor da homeopatia no Brasil, influenciado pelas idéias de Fourier e Jacotot, resolve fundar em Santa Catarina uma colônia societária falansteriana, na península formada pelo Rio São Francisco, denominada de Colônia do Sahy.

Um plano ao imperador

Conforme os registros coletados por Galhardo, sabe-se que em 18 de setembro de 1841 foram apresentados ao imperador os colonos societários franceses, juntamente com Mure. Esta colônia foi o propósito inicial da vinda de Mure, que era o representante oficial da Union Industrielle de Paris (Mure, 1999). Mure foi apresentado ao imperador para expor seu plano de ação:

“Venho, em nome de todas as classes sofredoras que aspiram em França a mudar de posição, pedir a vossa majestade os meios de gozar, debaixo de um governo tutelar, do fruto legítimo de seu trabalho.” (Mure apud. Galhardo, 1928: 280).

Compreende-se, a partir desta atitude militante de Mure, sua luta ulterior, quando incorporou a seu projeto de expansão da homeopatia o tratamento dos escravos e dos socialmente excluídos do Brasil imperial. Neste contexto compreendem-se também as mobilizações política mais recentes, quando homeopatas engajaram-se nas lutas políticas e sociais do país.

Segundo o homeopata e historiador da homeopatia Galhardo, coube a um deles, Antonio Ildefonso Gomes, a redação do primeiro documento brasileiro dirigido ao Congresso Nacional, solicitando, por escrito, a restrição da escravidão. Terá sido Benoît Mure quem funda a Escola de Homeopatia do Rio de Janeiro, em 1844, embrião do futuro Instituto Hahnemanniano do Brasil, oficialmente fundado em 1859.

O médico francês era um utopista, um incorformado, e sobretudo um sujeito dotado de uma invencível tenacidade. Trata-se daqueles que acreditam que o desenvolvimento científico só é de fato evolução quando há progresso ético simultâneo. Daí compreende-se porque ocupava um substancial espaço no contexto sócio-científico do Brasil de 1840.

Medicina social

Mure tenta devolver a vitalidade ao pensamento médico do recente império brasileiro. Faz preleções pelo futuro da arte médica, é prosélito de uma medicina social mais ativa, passa a defender significados e propósitos de sua particular concepção dos objetivos da saúde pública.

Contra uma prática exclusora ele inclui em seu projeto o tratamento dos escravos e das classes sociais sem acesso à medicina da Corte. De fato, a homeopatia foi, durante todo período de escravidão, a única medicina usada pelos escravos, uma vez que reunia duas qualidades indispensáveis: baixo custo e eficiência.

Há uma curiosa mistura nas propostas de Mure: o socialismo está sempre atrelado à passionalidade religiosa. Mas é precisamente esta característica que o coloca numa lista muito particular do gênero humano: trata-se daquele tipo de sujeito incansável. Ele era um ideólogo obstinado e perspicaz e sabia, como a socióloga e professora do Instituto de Medicina Social da UERJ Madel Luz mostrou, da necessidade de apoio político e aval acadêmico para conseguir bases mais estáveis para a homeopatia.

Então, Mure mobiliza-se para alcançar este apoio pressionando instituições, fazendo contatos políticos e buscando por vários meios um estatuto mais respeitável para o saber homeopático.

Seu objetivo era conseguir um parecer favorável da academia médica para a então nova escola médica. Consegue o reconhecimento, mas a um preço muito alto, já que o recurso midiático que usou como palanque para o apoio político também serviu de base para os ataques subsequentes. Uma verdadeira guerra se estabelece nos grandes jornais da época, especialmente no Diário do Comércio e a homeopatia vira uma polêmica nacional.

Coube ao médico brasileiro Duque Estrada ser o primeiro a aplicar, em alguns casos específicos, a homeopatia no Brasil. (Galhardo 1928, 275). Sob sua liderança, publica-se um panfleto popular para fixar nos postes do Rio de Janeiro e São Paulo com a finalidade de conter a pandemia de cólera.

Duque Estrada defende o tratamento homeopático para conter a epidemia de febre amarela e escreve para a Câmara dos Deputados propondo uma subvenção de 100 contos de reis destinada à criação de uma enfermaria para tratamento homeopático.

“O senador Vasconcelos votou na abolição da medicina oficial, toda a liberdade deve ser dada ao médico para curar pelo sistema de sua escolha” (Carvalho, 1857: 9).

A colônia societária do Sahy não vingou. Mas Mure vislumbra a difusão da homeopatia como uma perspectiva não menos nobre e a implementa em vários estados.

Ele e seus colaboradores, fazem verdadeiros planejamentos de marketing: pensam em expandir a propaganda a outros estados através de emissários, e em 1847 é instalada a Sociedade Homeopathica Bahiana, Filial do Instituto Homeopático do Brasil.

Fortuna pessoal

No final de 1847 também inaugura-se um Hospital Homeopático, sob a presidência de Duque Estrada. Vários consultórios populares eram abertos tanto no Rio de Janeiro como em Salvador. Os recursos para tudo isto, ao menos inicialmente, parecem ter vindo da fortuna pessoal que Mure trouxe para o País como herança.

Os consultórios gratuitos foram criados pelos homeopatas em 1843 e vendo seu sucesso junto à população e o aumento da adesão popular ao tratamento a Academia Imperial de Medicina, também resolve abri-los em 1848.

Já com a saúde abalada, ao que parece devido à reativação de sua tuberculose pulmonar, e tendo já pedido a exoneração do cargo de diretor que ocupava na Escola Homeopática do Brasil, Mure despede-se do Brasil, de onde parte em abril de 1848. Vicente Martins assumiu a Escola Homeopática e a reestruturou dando-lhe uma corpo curricular mais arrojado.

Depois da partida de Mure – que falece no Cairo, dez anos mais tarde, em 1858 –, observa-se o surgimento de novas organizações homeopáticas: “Sociedade Hahnemanniana”, “Academia Médico-Homeopática”, assim como cresce o número de publicações clássicas e originais. Impulsionados e subsidiados pelo Instituto Homeopático do Brasil, é a vez de outros estados receberem mais informações sobre a homeopatia;

No contexto sócio-histórico da primeira metade do século 19, o que os homeopatas pioneiros, incluindo Mure e seus colaboradores, fizeram pela difusão da homeopatia neste país, com seus erros e acertos, só pode ser definido, sem exageros apologéticos, como um trabalho excepcional. Por isto seu trabalho teórico é de uma importância insubstituível, tanto no entendimento da situação político-institucional atual e pregressa da homeopatia brasileira, assim como da própria prática clínica de hoje.

Mas é através de sua obra empírica/experimental que seu projeto adquiriu dimensão mundial. Mure, em seu “Patogenesia Brasileira e Doutrina da Escola Médica do Rio de Janeiro”, dirige e compila uma série de 39 patogenesias (experimentos metódicos de substâncias medicamentosas) com substâncias obtidas, selecionadas e preparadas segundo a farmacotécnica homeopática, em um período histórico cujas dificuldades científicas eram literalmente descomunais. Edições de seu livro aparecem em 1853 (Estados Unidos) e 1859 (Espanha).

Uma opção natural para a medicina

O mundo científico já havia reconhecido de forma especialmente generosa os trabalhos dos viajantes e naturalistas que catalogaram (científica e iconograficamente) a exuberante flora e fauna deste país. É o caso dos médicos holandeses Piso e Marcgrave (integrantes da comitiva de Maurício de Nassau), de Saint-Hilaire, dos botânicos Spix e Martius e de pesquisadores menos famosos do século XIX como Freire Alemão, Velloso, Almeida Pinto, Caminhoá e Peckolt.

Agora que nos aproximamos dos 500 anos do descobrimento, seria importante promover resgates e rever ícones. Faltou reconhecer ao trabalho de Mure, especialmente pelo estudo da fauna e da flora do País. Além disto o autor vai muito além de uma catalogação farmacodinâmica/farmacognósica. Não se detém em fazer uma mera recompilação dos efeitos medicinais ou de indicações terapêuticas das substâncias obtidas das fontes da medicina indígena e popular, muito comuns nos tratados dos botanistas. Ele conduz, dirige e coordena a apresentação de medicamentos, muitos inéditos, acreditando na prodigalidade de uma natureza generosa que oferece meios curativos geograficamente próximos dos povos que deles os necessitam.

Apresenta listagens de sintomas obtidos através da experiência metódica. Faz isto usando as recomendações hahnemanianas quando adota os critérios de uma Higantropharmacologia (estudo dos efeitos das substâncias medicinais sobre o homem) quando são registradas as observações dos efeitos – objetivos e subjetivos — sobre a totalidade.

O trabalho experimental organizado por Mure não é somente ainda apropriado para subsídios de pesquisa histórica, e mesmo instrumento terapêutico, como de fato representou um incomum marco na preservação da biodiversidade. Isto em uma época na qual tais preocupações eram virtualmente inexistentes. Diríamos então que o trabalho deste idealista é provocador, original e acima de tudo dos mais modernos se considerarmos que há um boom de pesquisas atuais buscando novas substâncias medicinais nas florestas tropicais, investigação que o Instituto Homeopático do Brasil já conduzia desde 1843.

Pode-se observar em “Patogenesia Brasileira”, o esforço do trabalho experimental de Mure e João Vicente Martins (assim como outros colaboradores), o esforço de uma geração comprometida com a busca criativa de novas visibilidades para a medicina, os sujeitos e até para o próprio modelo social. Visionários que, como eles, dispuseram-se a achar as substâncias medicinais, a ir à pesquisa de campo e organizar uma matéria médica brasileira com elementos obtidos dos reinos da natureza, muitos deles ignorados (ou apenas catalogados) por outros ilustres viajantes

Paulo Rosenbaum, especial para o JT

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Escritor de deserto – Céu Subterrâneo (Estadão)

14 domingo abr 2019

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, céu subterrâneo, Imprensa, Livros publicados, Na Mídia

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Amós Oz

Escritor de deserto

(Do livro “Céu Subterrâneo” onde usei trechos da minha entrevista com Amós Oz realizada em Israel em 2013)

Para Amós Oz

…eu já tinha entrevistado algumas pessoas e, na noite anterior, graças à persistência em cima de sua agente literária em Londres, Amos Oz conversaria comigo por telefone, de sua casa no deserto, Arat, sul de Israel.

Se pudesse confessar, confirmaria que tinha a ingênua sensação de que se minha inteligência fosse reconhecida por algum notável, minha reputação na nova carreira estaria, se não garantida, pelo menos bem encaminhada. Originalmente planejei uma abordagem enfocando a militância política de Oz, mas um acordo prévio me inibiu e só conversariam sobre literatura.

Eu estava muito apreensivo, já que o telefone em Arad não atendia. Tentei novamente buscando novo código de área.

O telefone toca.

– Sim –, atende a voz grave de Amos.

Eu não sabia o quanto poderia avançar, mas me convenci de que estava fazendo seu trabalho.

Identifiquei-me e já fui perguntando diretamente, sem rodeios:

– Qual seu conselho para um escritor?

– Sim. Um, muito simples e breve: só escreva sobre aquilo que você conheça muito bem.

Foi então que repeti a sentença e Amos calou como se dando um desfecho abrupto.

Reagi:

– O que é conhecimento?

– É a imaginação.

– Conhecemos pela imaginação?

– Não sei, não sou mais filósofo. Mas a criatividade foi o que nos restou como instrumento de sondagem… não há mais nada.

– O que se pretende com a literatura, vale dizer, devemos pretender?

– Você diz, além de uma terapêutica involuntária? – Amos riu sem espontaneidade para prosseguir de mau humor provavelmente por ter achado a pergunta previsível:

– Não há finalidade, nada a ser aprendido ou ensinado. Apenas um sujeito doando suas impressões. Isso, doação de impressões. Meu compromisso não é esse, mas acho que até acabamos ajudando pessoas! O mundo precisa mais de literatura do que os escritores. Aliás, ninguém precisa dos escritores.

– Há uns anos você provocou seus leitores dizendo que precisávamos convidar a morte para sentar e conversar. Em qual contexto disse isso?

– Não era provocação! Devemos convidá-la para fazer as perguntas que faríamos a ela depois. Oz pigarreia para concluir.

– Depois?

– Quando já é tarde demais e já não poderemos ter o prazer de perguntar. Por que não antecipá-las e fazê-las enquanto ainda estamos aqui vivos?

– Quais perguntas?

– Mister Mondale, sei que o compreenderá, estou no meio de um texto desafiador. Como escritor, o senhor sabe do que falo.

“Poeta, não escritor.”

Assim terminou a entrevista.

______________________________________________________________

O que aprendi com Oz?

Que tudo é contagem regresssiva, e só o que importa é a exiguidade do tempo diante da uma gigantesca e interminável tarefa, a de contar histórias.

Até a pergunta chave para a morte merece ser suspensa quando se trata de usar a imaginação. E escrever.

Grato Amós.

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Poesia de transição (Estadão)

13 sábado abr 2019

Posted by Paulo Rosenbaum in A Pele que nos divide- Diáforas Continentais, Artigos, Livros publicados

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Poesia de transição

Paulo Rosenbaum

09 janeiro 2016 | 09:50

 

“Ao enxergar tua dispersão, uni-me.”, foi o que escrevi para Fernando Pessoa. O título do livro de Mario Sá Carneiro “Dispersão” antecipou a evidência. O estado das coisas nos varre afora. As versões vivem dos simulacros. O momento nos aflige, e, a distração, é quem colide com a objetividade. A perspectiva, substituída por um horizonte nodoso. É preciso dizer que não é auspicioso viver num lugar como esse. O sub-pensamento lidera as pesquisas de opinião. O lugar onde a tirania emula condescendência. E onde o alinhamento automático substituiu a critica. No reino imune dos sindicatos a República perde seus dentes. Estamos num jogo que já terminou. Facínoras construíram a inimputabilidade eterna. Nossa única esperança é a criatividade, a recusa sistemática, a ironia aguda. O sujeito que sobrevive ao que o preside. É o que restou de uma democracia em andrajos? Querem metáforas? Vazar, lambuzar, melar. É o que mais se ouve. Cada uma delas também tem seus desdobramentos simpáticos. Vazar: evasão, invasão, evasivo. Além disso, o escape. O escape através do qual saímos do Estado infantil para um destino incerto. Lambuzar pode ser o fim da língua a deriva. O término do sugador. O dever não é com todos. Que seja ucraniano, paraguaio, ou português. O importante é subir até a cerca. Sair da fronteira hostil. E enxerga-la é, já, ultrapassa-la. Ali reencontraremos a leveza da vida privada. A emancipação do peso que nunca foi nosso. Que os eleitores se enganem. Que os atores se desengajem. Que os subsídios sequem. Que os milhões sejam unidade. Que os deslumbrados se observem. Que os cantores, ouçam. Que os diretores sejam regidos. Que a inversão se consolide por um dia. Por dentro e por fora. Que a vida esteja em desenlace. Que a liberdade transforme os ossos. Que o tronco migre à folha. Que os heróis sumam. Que os acordes ressurjam. Que a poesia de transição substitua-os.

Tags: blog conto de noticia, blog Rosenbaum Estadão, poesia de transição

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As respostas estão no subsolo (Estadão)

13 sábado abr 2019

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, céu subterrâneo, Livros publicados, Na Mídia

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céu subterrâneo, Editora Perspectiva

AS RESPOSTAS ESTÃO NO SUBSOLO

Novo romance de Paulo Rosenbaum promete entregar respostas e mistérios da origem comum aos seres humanos. Elas não estão no céu que nos protege, mas no subterrâneo que nos sustenta.

Em Céu Subterrâneo, novo romance de Paulo Rosenbaum, a sensação labiríntica de risco e desconcerto infiltram-se pelas páginas e dominam a saga de Adam Mondale, colecionador de câmeras antigas, possuidor de uma córnea defectiva, aspirante a escritor e judeu laico. Em sua personalidade plural e interesse particular, Mondale é regido pelos mistérios que envolvem um antigo e irrecuperável negativo fotográfico, que carrega em si o insuperável da condição humana.

 

Ao receber uma bolsa literária, Adam Mondale embarca no último vôo noturno para Jerusalém, a fim de desvendar os mistérios de um antigo negativo fotográfico. Através de linguagem simples e envolvente, Céu Subterrâneo propõe uma visão crítica das sociedades atuais, divididas entre a exigência de uma racionalidade laica e o apelo da tradição, inclusive religiosa. De formação acadêmica laica, Rosenbaum apresenta em forma de romance, um texto que se equilibra entre ensaio e declaração de princípios, no eterno jogo entre razão, subconsciente e valores sociais.

 

Desci do carro cheio de pressentimentos. Um cheiro me acompanhava na descida. Estava impregnado, mas não sabia se vinha do motorista, da rua, de um incenso ou de uma especiaria esmagada no chão. Saí do carro me arrastando instável e cheio de malas, mochila e sacolas. Sozinho, parei para olhar a viatura branca se distanciando na madrugada. O trajeto já indicava temperaturas de inverno, mas tudo só se confirmou quando parei para respirar fundo. Aquela noite gélida, escura, tinha textura. Do céu roxo gotejava aquilo que os ingleses chamam de freezing rain, gotas intermitentes que transitam entre chuva, neve e garoa. Temi pela região deserta, pelo rigor mortis da quadra, pelo esconderijo do apartamento.
“Qual prédio?”
Minha residência parecia abandonada. Só uma janela acesa no terceiro piso num prédio de quatro andares.
“Ops. Mas aluguei um apartamento no oitavo andar!”
Em todo caso, ignorei o desconforto e caminhei em direção ao here arrastando a mala.
Chamou minha atenção o letreiro de jade do muro que parecia uma lápide do século XIX.
“Montefiore Testemunhals”
Tomei coragem e entrei na viela, desequilibrado pelo piso de pedras irregulares.
Fixei-me então nas calçadas com aqueles blocos enormes: as mãos do arquiteto Herodes estavam por toda parte. A escuridão esfumaçada da neblina retinha o toque noir. Uma sensação às costas indicava que eu estava sendo seguido de perto. De vez em quando eu olhava para trás, mas não surpreendia ninguém.

https://editoraperspectivablog.wordpress.com/2016/04/29/as-respostas-estao-no-subsolo/

http://www.editoraperspectiva.com.br/index.php?apg=cat&npr=1094&uid=05062016145628176070148200

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Interditada (Estadão)

13 sábado abr 2019

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, Livros publicados, Na Mídia

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A Pele que nos divide- Diáforas Continentais, poesia

Interditada

Paulo Rosenbaum

14 novembro 2014 | 12:49

vozvozXX

Tua voz,

tua voz

não será auditada

Tua voz,

sem vez

Tua voz,

sem voto,

Tua voz,

 ouvida adiante

Tua voz,

junto ao ruído do cometa,

Tua voz,

não mais te pertence

Tua voz,

que era a nossa

Tua voz,

tão calada

Tua voz,

que pedia liberdade,

acaba de ser interditada.

Tags: censura, controle da mídia, Controle dos jornais, poesia

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Geração de Neurônios Mortos (Estadão)

13 sábado abr 2019

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, Livros publicados

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A Pele que nos divide- Diáforas Continentais, poesia

Roubo no pomar acidental
Na barraca oriental hermafrodita
Rito ideológico (sextenal)
Fina cor,
papoula dourada.

Ri,
das flores maléficas.
Ri,
do inexistente denunciado.

Homicídio no lento sono, paradas curtas,
infinita dedução
Já, ali,
onde as mãos rolavam

o incêndio das aversões continentais!

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Terror do Opressor – Poema do livro “A Pele que nos Divide” – Blog Estadão

24 sábado mar 2018

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, Livros publicados

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A Pele que nos Divide, blog conto de noticia, poesia

Terror do opressor

Lava-te agora com o precioso cânhamo
Do teu poderoso homicídio
Tão forte a gosma da corrupção
Que jamais enxaguará teu extermínio.

Se censurar foi o teu meio
E conceder-nos matança
Foi a tua redundância.

Não haverá um só meio
Que não conheça a revolta, o centeio.

Explodindo teu glutão palácio
Ferveremos tua condolência
Abençoando-te com tortura sem violência

O abuso nas tuas insígnias
Não é a estampa do horror,
Mas a forma como compeles dor.

E teus fiéis servos perpetuam
Tua doutrina mundana
Imprimindo a consciência tirana.

Faremos ainda com que cantes
A infinidade de nossos levantes.

E a tirania da tua democracia
Farás apenas com que murmures
– Sim, o poder com sangue tecia,
Posto que nada é eterno pelo tempo que dure.

Quando assim, vier-nos então
Teu submisso pedido de clemência,
Enlouqueceremos de euforia, demência.
Finalizaremos teu sepulcro com pó,
E te embalsaremos
Não com a glória de um faraó
Mas com a solenidade que temos.

Conservaríamos viva a tua alma,
Para que cada um expurgue o termo
Na tua imagem, o que foi teu governo.

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A pele que nos divide – Poesia – 2018

16 terça-feira jan 2018

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, Livros publicados

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A Pele que nos divide- Diáforas Continentais, Poesia Brasileira

Acabamos de publicar o livro de poesias “A pele que nos Divide: Diáforas continentais”. São poesias que ficaram em estado de oficina por 30 anos. Junto estão alguns poemas em prosa que publiquei no blog Conto de Notícia (Estadão). O livro acaba de sair publicado pela simpática editora Quixote-Do coordenada pela eficiente Luciana Tanure e Thasia Medeiros com diagramação da Carolina Gischewsky.

Eu elaborei as ilustrações, fotografia de Silvia Fernanda Rosenbaum, a capa é de Marcelo Girard usando a imagem da obra da pintora paulistana Nilda Raw (óleo sobre 2017).

Contamos com as preciosas participações de Lyslei Nascimento que escreveu a orelha, a apresentação de Wander Melo Miranda, o prefácio do Fernando Paixão e o posfácio de Nelson Ascher.

O lançamento acontecerá depois do carnaval, em data a ser em breve comunicada. Os primeiros 50 exemplares são numerados e assinados.

Contatos para aquisição direto com a editora.

Espero que apreciem.

Paulo Rosenbaum

 

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Resenha Crítica de Céu subterrâneo Por Cíntia Moscovith – Jornal Zero Hora

03 quarta-feira ago 2016

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, céu subterrâneo, Livros publicados, Na Mídia

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Adam Mondale, céu subterrâneo, Cíntia Moscovith, Editora Perspectiva, Israel, Jacó e Gita Guinsburg, Makhpelá, Resenha Crítica Literatura, Verdade lançada ao solo

Cíntia Moscovich: Debaixo da terra

A colunista escreve quinzenalmente no 2° caderno

01/08/2016 – 06h04min | Atualizada em 01/08/2016 – 06h04min
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Protagonizado por Adam Mondale, um autor em crise que ganha uma bolsa para viajar a Israel e escrever um romance, a trama se escora nos mistérios que envolvem a gruta de Makhpelá, o Túmulo dos Patriarcas da tradição judaica – daí o “céu subterrâneo” do título –, local que Abraão teria comprado para sepultar Sara e onde estariam enterrados o próprio Abraão, Isaac, Rebeca, Jacó e Lia.

Veja também:
Cíntia Moscovich: Vade retro
Cíntia Moscovich: A rotina do artista

De posse de um velho negativo de máquina polaroide, com o aluguel de um apartamento feito pela Internet, Mondale chega a Jerusalém numa madrugada fria e chuvosa. Ao procurar o endereço, se descobre enganado – e essa é a primeira peripécia da história. A partir daí, o livro se desenvolve em três planos: a aventura em Israel, a construção do romance e o descobrimento pessoal do personagem – inclusive de um misticismo rechaçado mas inescapável. Com tons kafkianos e metalinguísticos, a trama se apresenta com a cronologia alterada, cabendo ao leitor organizar a sucessão dos fatos no tempo.

Dono de uma prosa envolvente, embasada num extenso conhecimento da matéria, Rosenbaum, que é também autor de A verdade lançada ao solo (2010), cria um clima labiríntico, no qual a tensão é alimentada por cortes precisos e informações que surgem em momentos cruciais da narrativa.

Ademais das virtudes inerentes, Céu subterrâneo tem ainda a chancela de uma das respeitadas casas editoriais do país, que completa 50 anos sob o comando de Jacó e Gita Ginsburg. Responsável pela coleção Debates, a Perspectiva publica uma vastíssima gama de assuntos, tendo participado diretamente na formação intelectual (e afetiva) de todos os brasileiros que se debruçam sobre as humanidades. O selo é certeza de edições de qualidade – como é, sem dúvida, o caso de Céu subterrâneo.

http://zh.clicrbs.com.br/rs/entretenimento/noticia/2016/08/cintia-moscovich-debaixo-da-terra-7040569.html#

 

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Resenha de “Céu Subterrâneo”por Lyslei Nascimento – Revista Maraavi Nascimento publicado na revista Maar

01 quarta-feira jun 2016

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos, céu subterrâneo, Imprensa, Livros publicados

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céu subterrâneo, Hebron, Lyslei Nascimento, Machpela, resenha, revista Maaravi

ROSENBAUM, Paulo. Céu subterrâneo. São Paulo: Perspectiva, 2016. 254p. Da escrita e da arqueologia, modernidade em ruínas
Lyslei Nascimento*

O romance Céu subterrâneo, de Paulo Rosenbaum, surge em um tempo em que o leitor já não cultiva o que não pode ser abreviado. No entanto, amante das grandes narrativas, como se pode constatar desde A verdade lançada ao solo, de 2010, o escritor, ao tentar realizar uma síntese impossível do céu – as coisas do alto, como a espiritualidade – e as subterrâneas – não somente as coisas terrenas, mas aquelas que estariam abaixo nível do chão, como a memória e a identidade – inscreve-se numa poderosa tradição de romancistas como Umberto Eco e Salman Rushdie.

Esses escritores se esmeram em construir suas tramas a partir do que Italo Calvino chamou de hiperromance ou romance enciclopédico, uma narrativa marcada pela tensão entre o peso e a leveza, a exatidão e a multiplicidade. Na contramão do desejo de brevidade, eles oferecem ao leitor uma narrativa densa, cheia de camadas, idas e vindas, jogos temporais e espaciais, intertextos sofisticados, buscas quase infinitas de duplos e fantasmagorias, além de uma concepção fundamental da literatura como conhecimento. O convite à leitura é, portanto, nesses autores, um desafio à viagem, à investigação.

Na trama de Rosenbaum, um escritor viaja para Israel em busca de si, de sua inscrição numa tradição da qual ele acredita ser “desafilhado”. Por isso, não é só um ponto de vista que é sugerido pela expressão paradoxal “céu subterrâneo”, mas também um jogo entre o fora e o dentro, a exclusão e a inclusão, que está em perspectiva. O que se percebe, nesse sentido, é que a narrativa vai se adensando e um enigma precisa ser decifrado pelo personagem e pelo leitor, que se veem diante de um labirinto, com suas ruas e ruelas, falsas entradas e ilusórias saídas – tudo muito bem arquitetado para fazer perder tanto o personagem quanto o leitor. Decifrar ou ser devorado parece ser o que, irremediavelmente, impele o protagonista, “o estranho que se estranha”, para o que seria a sua busca pela verdade, pela resolução do que a ele, e ao leitor, se impõe como um problema, real ou psicológico. Inquérito e investigação, em construções análogas as de Edgar

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Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 10, n. 18, maio 2016. ISSN: 1982 3053.

Alan Poe, a concepção do amigo Assis Beiras, faz lembrar Conan Doyle com o célebre parceiro de Sherlock Holmes: um Dr. Watson tropical. Escavando e recordando, como queria Walter Benjamin, as referências à narrativa de enigma e de investigação policial não são gratuitas. Torna se, assim, o narrador o investigador de si mesmo, de suas origens, e o leitor o seu cúmplice.

O que Adam Mondale deseja em sua tentativa de desvendar um passado ancestral judaico e, é preciso dizer, coletivo? Desentranhar se ou ali se inscrever, de forma singular? A sua busca de uma imagem da sepultura de Adão, o homem primordial, não é banal ou retórica, mas se dá a partir de leituras e releituras, de livros, de imagens, de tradições que vão desarmando interpretações cristalizadas e armando outras, mais precárias, porém sutis. Nesse sentido, o romance trata de coisas desaparecidas, ou soterradas, e das inexistentes, ou imaginárias.

A referência a um código pictórico, como o Jardim das delícias terrenas, de Hieronymus Bosch, por exemplo, e fotográfico, como o negativo da Polaroide encontrado e seu correspondente holograma, são explorados no uso de um vocabulário ambíguo, que pode ser tomado em vários sentidos. Desse modo, revelação, iluminação ou negativo são termos que podem ser levados às últimas consequências interpretativas. Assim, a fotografia, que poderia ser uma prova de realidade, e a busca que o narrador realiza, são postas em xeque, fazendo surgir sombras ou delírios, tudo muito bem entretecido com reflexões pungentes sobre a escrita e dilemas de um escritor na contemporaneidade.

Quase como um místico à deriva, ou um voyeur, numa irônica condição de sofrer de uma doença nos olhos, cuja “córnea é riscada”, prejudicando lhe a visão perfeita, destaca se o caráter de colecionador de câmeras e filmes antigos (marcando o que seria a modernidade em ruínas) e as múltiplas facetas do personagem como professor, psicólogo, fotógrafo e detetive (buscando apreender a fugidia condição do escritor pós moderno). O texto aponta para o que, em certa medida, Ricardo Piglia afirmou sobre a escrita atual: o gênero policial, em todos os seus desdobramentos, é o grande gênero moderno que inunda o mundo contemporâneo.

Narra se uma viagem ou um crime. Que outra coisa se pode narrar? . Às vezes, as duas coisas, é preciso ressaltar. Sob essa dupla sentença, Piglia parece refletir sobre as estratégias de construção textual presentes no romance de Rosenbaum. Sobreposta à viagem a Israel, e, em Israel, a viagem a Hebron, além da busca pela

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Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG. Belo Horizonte, v. 10, n. 18, maio 2016. ISSN: 1982 3053.

fotografia que desvelaria o segredo, a metáfora da arqueologia traduz, de forma contundente, a investigação que o protagonista realiza de si e do outro, espelhando, com requinte, a estrutura narrativa do romance.

A partir de um negativo fotográfico encontrado na Caverna dos Patriarcas, a Gruta de Macpelá, o narrador sai a campo em investigação. O complexo, localizado na antiga cidade de Hebron, depois do Monte do Templo, é o segundo local mais sagrado para os judeus e venerado, também, por cristãos e muçulmanos. Todos eles, com algumas variações, afirmam que é o lugar onde foram enterrados os quatro casais bíblicos, daí o nome “Macpelá” ser uma referência à câmara de sepultamento desses casais, ou seja, a caverna dos túmulos dos casais: Adão e Eva; Abraão e Sara; Isaque e Rebeca, Jacó e Lea.

As cidades de Rosenbaum, tal qual as de Cidades invisíveis, de Italo Calvino, aparecem especulares, refletidas, em dupla exposição, sendo atravessadas pelo narrador, com seu olhar avariado, diluindo as fronteiras, fazendo com que os limites sejam intercambiáveis. Jerusalém e Hebron prefigurariam, assim, espaços sagrados e profanos, espelhamentos de textos que são desfolhados ou revelados em suas entranhas a partir de referências ao campo semântico da fotografia, da arqueologia e da narrativa de enigma.

O passado, as ruínas, os restos mortais são iluminados pela escrita e pela investigação, como uma prova, no tempo presente, de algo que só chega a ser minimamente delineado. —“Prova? Você agora está escavando?”, pergunta a esposa de Adam. —“Estamos pesquisando”, ele responde.

Ressalte se, nessa citação, que a pergunta se apresenta no singular, mas a resposta, apesar de só poder ser também nesse diapasão, porque não há, explicitamente, outra pessoa junto a Adam, acontece no plural. Essa configuração múltipla do personagem é dúbia e está explícita em suas muitas facetas, na complexa conformação de seus vários eus. Ou seja, esse personagem também se apresenta a partir de “camadas arqueológicas” da vida presente com as passadas, relações conflituosas com a culturas e a tradição judaica, angústias e influências de textos e imagens que leu e escreveu ou fotografou.

Evidentemente que a ideia de duplo, presente desde o título do romance, tem, no nome do narrador, Adam, espelhando sua busca por Adão, e Macpelá, o nome da gruta que sugere o túmulo dos casais, além das cidades de Hebron e Jerusalém –

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com suas ruínas e reconstruções trazidas à luz, por escavações – na arqueologia, sua metáfora mais instigante. Por intermédio da comparação do passado de uma cidade com o passado psíquico, Sigmund Freud, em O mal estar na cultura, reflete sobre o que o leitor pode analogamente vislumbrar na busca de Adam em Céu subterrâneo. Em vez de Roma, a cidade que insurge e ressurge do passado é Hebron, fazendo falar, a um só tempo, as vozes da tradição – de um tempo imemorial e mítico, que parece estar soterrado no passado – com índices do moderno e da contemporaneidade, como a fotografia, a computação gráfica, o holograma.

Céu subterrâneo, em níveis e desníveis, em estratos, espelhamentos, conformações e deformações, anseia que o leitor o atravesse, pari passu com o narrador. A busca obsessiva de Adam “pelo negativo” de uma imagem que todos julgam perdida, no entanto, não é vã. O leitor deverá acompanhá lo por cidades e grutas, da superfície para o interior, num espaço labiríntico. Sem esquecer, todavia, que escavar se é, também, ferir se, e que quanto mais profunda a incursão na memória ancestral, mais ele pode se elevar, para, na superfície, respirar e sobreviver.

* Lyslei Nascimento é Professora Associada na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais, coordenadora do Núcleo de Estudos Judaicos e bolsista de produtividade do CNPQ.

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