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Somos os outros
Paulo Rosenbaum
11 janeiro 2015 | 13:27
Para o escritor Victor Hugo, o valor mais importante da democracia é a solidariedade, e acabamos de testemunhar a maior manifestação desde o fim da segunda guerra mundial. A avaliação histórica é retrospectiva, mas é muito provável que o futuro da Europa, e do mundo, pode estar sendo delineado nestes passos. E não é só pela “Marcha da Unidade”, é pela súbita e inesperada aglutinação de perspectivas. Políticos e povo na praça da República realinharam expectativas. Não é pouco. O símbolo é emocionante, independentemente do resultado concreto, esse já é um fenômeno enigmático. A diversidade, quando resolve se expressar é uma dessas raras forças com potencial para inibir o sectarismo fanático. A loucura será a utopia de uma Europa de fato reunida. Talvez nos termos do artigo de Stefan Zweig “Da unidade Espiritual da Europa” publicado em 1942. Uma moeda comum, a abolição das fronteiras e a liberdade comercial pode não ter sido o suficiente para alinhar o sonho, um espírito de unidade para o continente.
É preciso ir além da festa da caminhada, da paz fugaz, do momento único. A solução é a aceitação incondicional da emancipação em meio a uma sociedade que se imagina homogênea. A unidade preciso reconhecer a heterogeneidade, inclusive a sectária. Todos os slogans “eu sou” desaguam num leito único, aquele que superaria as aporias, mudaria a vida, intensificaria a civilização para bem além dos valores ocidentais.
Aqueles que querem viver em liberdade e prezam a paz são maioria. Mas como lidar com minorias que usam as concessões das sociedades abertas para bloqueá-las? Que, através da manipulação e da espada, conseguem inclusive interferir nos resultados eleitorais? Como se resolve a preservação dos direitos civis e a questão da vigilância durante a vigência de uma guerra? Pois há uma em curso, como reconheceu o premier francês. Umberto Eco acaba de escrever que “O estado islâmico é uma nova forma de nazismo”. Subestimar a ameaça por considerações vagas, medo ou correção política também merece revisão. A mesma voz que condena a islamofobia, o antissemitismo e todas as formas de racismo precisa reafirmar, ao mesmo tempo, sua objeção ao renascimento do fascismo, religioso ou laico.
Como um estranho rio que brota do deserto, o dia nasceu com força inusitada. A energia é afetiva. “Eu posso ser o outro”, uma espécie de ápice da manifestação solidária. Mesmo que nem todos estejam conscientes da profundidade, sua penetração é infiltrativa, abrangente, difusa. A assunção de que também somos os outros, significa recusar qualquer forma de tirania, de Estado autocrático, de minorias violentas. É provável que não dure, mas, num mundo até ontem inflexível, é possível que a tragédia tenha criado uma oportunidade única: juntar cidadãos numa inédita fusão de horizontes.