Paulo Rosenbaum

~ Escritor e Médico

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Negação da morte e Habitat

14 quinta-feira jun 2012

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eutanasia, finitude, habitat, Montaigne, morte, ortonasia, RIO+20

Negação da morte e Habitat

Sabemos que o assunto da hora é a RIO+20. Mas outro tema, igualmente importante, está sendo discutido sem merecer o devido destaque. A comissão que se encarregou de modernizar o novo código penal está concluindo os trabalhos, cuja versão final ainda não se conhece, e ali incluiu assuntos críticos. Refiro-me aqui aos que abordam a terminalidade da vida.

A legislação dos Países Baixos autoriza a eutanásia (medidas ativas, proibidas no Brasil) enquanto nos EUA existem grandes batalhas judiciais que só fazem aumentar as controvérsias. A ortonásia (etimologicamente, morte no tempo certo) tem sido por aqui discutida (diferente da anterior, admitida em casos em que a morte é comprovadamente uma questão de horas ou dias) apesar de já extensivamente praticada. Prevê a cessação de tratamentos considerados fúteis e pode incluir o desligamento de máquinas, interrupção de alimentação parenteral etc.

A ética hipocrática da qual os profissionais de saúde são herdeiros preconiza: não se deve interferir em uma doença sabidamente mortal ou incurável. Por outro lado como saber ao certo? Hipócrates também nos adverte sobre a precariedade das convicções e finalmente questiona em seu primeiro aforismo o valor dos prognósticos: a arte é longa, a experiência enganosa, o julgamento difícil.

O filósofo Montaigne abre um de seus Ensaios com “filosofar é aprender a morrer”. Precisamos aprender, mas como nos educar em terreno tão delicado? Até a pena de morte foi discutida — e abolida em boa parte do mundo – então por que intimidar-se com os debates sobre o fim da vida? Não me convence pensar que a distinção esteja entre castigo e alívio terapêutico.

Esquecemos, convenientemente, que fomos inculcados com uma amnésia chamada finitude. Resumindo, somos desmemoriados o suficiente para tocar a vida contra o inexorável que é nossa condição de mortais. Trata-se de estoicismo adaptativo, conforme mostrou Ernst Becker em seu clássico “A Negação da Morte”.

Hoje temos equipes especializadas em “dar conforto” às famílias de pacientes terminais. Foi uma solução superficial que a medicina hospitalocêntrica encontrou para lidar com o tabu. Este é um legítimo dilema da vida contemporânea: o que fazer diante de sofrimentos extremos e de alegada incurabilidade?

Quem terá o direito de opinar e a quem cabe a decisão final? À medicina, ao Estado ou à família? Haverá espaço para ouvir o único que poderia dar qualquer legitimidade ao ato? Nesse caso o desenganado: o sujeito que muitas vezes é impedido de votar por sedação excessiva, afasia ou coma. Pois e se o doente quiser confirmar presença mais alguns minutos, uns dias, quem sabe a semana? Dissecando o termo “desenganado” descobrimos que pode significar dizer a verdade, revelar, ou dissuadir. E quem pode dissuadir alguém acerca da continuidade da própria vida? É evidente que a sedação da dor e a manutenção de uma medicina paliativa são ganhos importantes no trato com doentes em sofrimento severo.

Portanto o problema parece estar mais no campo da psicologia, filosofia e direitos humanos do que propriamente no da deontologia médica ou direito penal. Qualquer equipe pode ligar aparelhos, mas e quanto a desligá-los? Plantonistas da UTI, dos home care, auditores das empresas de seguro saúde estarão autorizados? Afinal quem é que decide em quem não se deve mais “investir”?

É licito supor que mais este desleixo com os vivos que estão no final de um ciclo esteja mesmo na própria raiz da atual predação sistemática que executamos contra nosso habitat. Queremos consumir mais e praguejamos ao ver espuma nos rios e a bagunça climática. Guiados pelo imediatismo tomamos uma rota de caminho único: já que o planeta está envelhecido vamos logo partir para outro. Infelizmente a Rio+20 não terá tempo de discutir esta tênue relação analógica.
Cabe perguntar: não estamos tornando artificial demais um fenômeno natural assim como já fizemos com os partos e o envelhecimento? Que tal voltar a morrer em casa? Não seria mais digno estar consciente para assistir nosso próprio fim? Há preparação e prevenção para várias situações, mas parece que ninguém se preocupou com a morte. Mesmo quando o prognóstico for desfavorável e o enfermo estiver com os dias contados quem pode decidir quando chegou a hora de abortar a vida? Investidos de qual direito impediremos quem esta morrendo de aproveitar o tempo que lhe resta usando o que sobrou de saúde?

Às vezes é preciso coragem para ir contra as soluções que o senso comum apresenta como óbvias. Da mesma forma que temos o dever de recusar uma vida tutelada, não podemos aceitar o papel de carrascos, mesmo que ele venha com a chancela e a benção do Estado.

Paulo Rosenbaum médico e escritor. É autor do romance “A Verdade Lançada ao Solo”, (Editora Record).
paulorosenbaum.wordpress.com

Para comentar acessar o link do JB :

http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2012/06/14/negacao-da-morte-e-habitat/

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Ainda sobre a inevitabilidade da morte

22 domingo maio 2011

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos

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fenomenologia da morte, inevitabilidade da morte, morte, sentido e direção, vales da morte

Os sonhos tem sido turbulentos, senão violentos e se, no dizer do poeta Apollinaire, “a vida é lenta e a esperança violenta” a morte tem sua parcela de culpa nesse ritmo. Todo transe, desde a notícia de que a respiração cessou até o féretro não passa de um protocolo, sombrio e necessário, desde que os homens passaram a enterrar os mortos. Ao lançar terra sobre a madeira escura cumprimos um mandamento, mas o que foi junto com aquele punhado de barro? Quem enterramos? Quais porções de nós caminhou junto à cova rasa? Por que parece que estamos dentro de um filme?

Normalmente a fantasia é que o tempo será um sedativo sem sucedâneo para cumprir a tarefa, indócil mas decisiva, de nos fazer esquecer do que acaba de acontecer. Mas não é que algo contra-intuitivo tem vez — como sempre — e atropelando toda inércia, nos lança na melancolia.

Este arremesso tem uma vida útil: dura a vida.

Pois é na vida, e não na memória, que temos a chance de estar junto com as pessoas que vêm e vão. Estes desembarques são intoleráveis, e por mais que me esforçe não consigo reter bem o sentido destes sumiços.

E por que deveria? Será mesmo que nenhum habitante retornou? As vozes não circulam por ai, sob as ondas de rádio? Não cumprem um destino errático que ninguém rastreou até o fim?

A morte bem que poderia se disfarçar de paisagem distante. Seria uma trégua, uma precaução ante todo desvio do dia a dia — aqui sou dicotomico e só posso pensar em sentido e não sentido — mas não…ela insiste em estar por todo lado. Pula na nossa cara. Tripudia sobre os céticos e crentes, igualmente.

Se a vida, em toda sua coação, sua persistência mesmo, pode fazer sentido, sua cessação não pode ser a ausencia deste mesmo sentido. Sim, sim, luto contra o pessimismo tentando ver sentido — e direção — onde a maioria não vê significado algum. Talvez a coisa toda se resuma ao conceito filosófico do vir a ser. Somos todos “vir a ser”, isso é, somos potencias — entremeados de atos — que se transformam em outras potencias.

Escapando da digressão, da aporia, da impossibilidade de continuar especulando talvez o que nos reste seja mesmo a memória, seletiva decerto, que cabe em cada um.

Os mortos estão aparentemente sem voz, mas é no eco que podemos enxergar o que estão dizendo.

E como esses vales são loquazes.

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Ensaio sobre a inevitabilidade da morte.

10 terça-feira maio 2011

Posted by Paulo Rosenbaum in Artigos

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inevitabilidade da morte, medicina e morte, morte, mundo vindouro, negação da morte, paraísos idealizados

A medicina é uma profissão peculiar, como outras decerto, mas, nela encontramos um aspecto quase único, que não compete com nenhuma outra particularidade de outras atividades: a proximidade e a frequência com que assistimos a morte.

Nesse sentido, somos todos, de maior ou menor distância, testemunhas do inexorável. A morte, vista de perto, é evento previsíve,l extraordináriamente comum, banal mesmo. Ainda assim, reparem a estranheza com que lidamos com o fato, a potencia com que ele nos desestabiliza, a corrente nostálgica e inevitável de como se impõe. Tudo isso junto, acaba conferindo ao fenômeno uma façanha: é o comum mais surpreeendente que existe.

Isso prova algumas coisas: somos sujeitos que — em mundo que se empenha em nos lembrar sempre da falta de sentido — tem tanta esperança, mas é importante enfatizar, tamanha esperança, que, em nossas rezas, e em nossas fantasias rogamos para que ninguém morra. Aspiramos sua abolição, nada além disso.
Por outro lado sabemos, há um fim.

Mas a morte, me dizem, não é só falência do ser, mas o fim duma relação.

Será?

Que dizer da força das memórias? Dos diálogos internos? Da apreciação das obras? Dos filhos? Dos amigos? Das intervenções? Da imaginação ativa que nos coloca cara a cara com quem já morreu? Dos sonhos, nos quais provisoriamente reintegramos suas presenças?

Será possível que estejamos tão enganados e que a “negação da morte” ainda seja um daqueles tótens que nos conserva alheios a esse gigante, esta sombra impenetrável que é o desaparecimento físico das pessoas? Que a tal compulsiva negação é que nos conserve, paradoxalmente, na afirmação da vida? E que a vida está assim, tão separada, tão apartada, de qualquer forma encapsulada, deste monstro mitológico que aprendemos desde cedo ser a morte?

Não senhores e senhoras, não se se trata de fascínio, mas de inevitabilidade.

Nossas fantasias sobre a possibilidade transcendente do espírito podem ter todas acusadas de ingênuas, néscias, cruas, incoesas e sobretudo irracionais. Mas elas tem razão. Razão de ser.

Morremos para estar mais presentes. Dói, mas é toda a verdade. Se temos, cada um de nós, nossa micro relevância, é porque, de alguma forma, fazemos sentido. O sentido, nesse sentido, não é um elemento perecível. O sentido é o que nos faz ver que somos essas memórias todas aglutinadas e espalhadas, ao mesmo tempo. Que os que morrem não precisam estar em paraísos idealizados (ainda que valha a pena ter em mente a delícia de cada um dos jardins do mundo vindouro) nem em descrições detalhadas. Os que morrem vivem alhures e aqui.

Os mortos vivem em nós para sempre.

Sempre foi assim, mas só acordamos para isso ao morrer.

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