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Carlos Drummond, doxa, homens convictos, instituições, marcha sem volta, militância, o efeito paradoxal do excesso de informação, sistema de justiça
Não são só os protestos, não são só as notícias, nem só nas redes sociais: existe um veneno explicito nas páginas que circulam pela net e nem poderia ser diferente com bilhões de editores on line. Se há uma virtude na liberdade de acesso às informações é que pode haver transferência de poder para as pessoas. Trata-se de um fenomeno tão poderoso e célere que gera um inquietante efeito paradoxal. Um poder tão difuso pode tornar as instituições cada vez mais fracas. Vale dizer, as instuitições têm lenta formação, são o resultado de décadas, as vezes séculos de amadurecimento. Uma convocação pelo megafone da web é imediata. As instituições apresentam milhares de defeitos mas são a proteção coletiva contra a barbárie. Melhor seria se os avanços na informação não acarretasse ficarmos reféns do meramente opinativo.
A doxa (do grego – opinião) é muito bem vinda num debate, mas que aura problemática se ela não está no contexto do diálogo. Neste caso, ela adquire uma aura dogmática. E como abunda gente com opinão formada, convicção e cabeça feita por aí. Prefiro Carlos Drummond quando escreveu “50, nada resolvido”. Esta multidão de convictos talvez explique a desolação e o o novíssimo mal estar na civilização.
Muito se tem falado de linchamento moral. As vítimas vão das personalidades do cinema, às figuras políticas até os cidadãos comuns. Essas desforras instantâneas — que para os comuns as vezes não são apenas morais — estão diretamente relacionadas com a facilidade e fluidez com que a informação têm chegado às pessoas. E retransmitidas também. Uma notícia rapidamente se transforma em boato e assim se propaga. Até que deparamos com a contraboataria. Contesta-se o primeiro boato, criando nova versão, a terceira narrativa dos fatos. Ainda que a verdade seja subjetiva, existem limites para o abstrato.
E é aí que chegamos à militância.
Agrupamento que torce, com a mesma ênfase, para o ídolo, time de futebol ou partido merece máximo estudo e reflexão. Nos dois primeiros casos, celebridades e agremiações desportivas, trata-se de esfera intrinsecamente pessoal, e, portanto, diz respeito à intimidade. Dela, o fã militante poderá guardar segredo, externalizar sua paixão – amor incondicional ou fúria irracional. No caso da política a complexidade aumenta. Afeta diretamente os outros, todos que convivem na mesma República. Entusiastas partidários, legiões que seguem os ideólogos ou gente que marcha pela “causa” frequentemente representam a faceta obscura da manipulação política.
As vezes, não sabendo o que exatamente estão defendendo dão declarações curiosas sobre o apoio solidário ou pecuniário que oferecem, por exemplo, a alguém que foi condenado em longo e exaustivo processo. Ou explicitam publicamente ” essa justiça não serve, vamos executar com as próprias mãos”. E, por vezes, reproduzem as palavras de ordem oriundas da boca de quem subsidiou um desagravo a si mesmo. Sabe-se que sempre existe uma desculpa para torcer mas, por favor, para que ninguém precise criar a ONG “direitos de quem não protesta”, alguém aí convoque um plebiscito para separar fã-clubes da política.
Torcer pelo partido e apostar contra as instituições não é só um tiro no pé da democracia, é marcha sem volta.
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