As madrastas, são elas, mais uma vez. Mas elas são muitas. Quem as tomou por sinônimo de maleficência? Onde se obteve a inspiração inicial? É justo remete-las à chave analógica do mal? Para além dos contos de fadas, a maioria assimila, cuida e ampara a orfandade. Muitas vezes, reagrupam famílias. Boa parte sabe que, mesmo com mães insubstituíveis, a vida pode ser regenerada a partir de suas doações. 

No dicionário de símbolos de Juan-Eduard Cirlot a “mãe terrível” representa “não só a morte, mas o aspecto cruel da natureza, a indiferença à dor humana”. O mais provável é que a verdadeira origem dos pesadelos infanticidas seja o pai omisso. Esse foi o roteiro no mais recente conto de horror no Rio Grande do Sul.

Há um vazio no lugar do pensamento preventivo em nossa cultura?

Relatos de opressão e maus tratos, fartos. A sequencia prévia de eventos, óbvia.  Era obrigatório deduzir o que estava por vir. Se as sibilas decretavam destinos nos oráculos gregos, uma de nossas vantagens deveria ser tentar antecipar desfechos como esse. Como em eventos recentes de incêndios, execução de juízas, jornalistas e ex-esposas, foi a sequencia de falhas nas redes de proteção que precipitou a criança à cova rasa.

Antecipação obrigatória de quem, constitucionalmente, deveria zelar pela segurança e parece ter renunciado sem aviso prévio. Na inimaginável leniência muito nossa de justiça (grau que nem Hamlet sonhara) o agressor, tarda, mas triunfa.     

Depois do mal selado na escritura definitiva, nada resta a não ser soluços. O irreparável é auto evidente. Arrependimentos do setor público não contam, duram nada.

Esqueçam fatalidades, coloquem na cabeça a frase “um destino evitável”. Isso significa que a antecipação continua sendo a única medida racional que a sociedade solidária junto a um Estado minimamente eficiente têm à mão para se antepor às barbáries consentidas.

Isso, se contássemos com qualquer um dos dois.  

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